quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Fernando Namora in A Noite e a Madrugada, Livraria Bertrand, 1978.

“O velho Parra viu o filho logo que ele desembocou na floresta de carvalhos. Ainda mesmo que as oliveiras dos ferragiais deixassem apenas uma nesga de campo livre reconheceria o Pancas a uma distância do Pomar à Ermida da Senhora da Saúde. Bastava aquele descair molengão de ombros. Malhara bem esses ossos, cansara-se de os amolgar com raiva, desespero e, por fim, com desinteresse, até considerar tal filho um figurão estranho à família dos Parras. Que não vissem contar-lhe histórias dos seus roubos, da sua preguiça, do seu vinho. Nada tinha com esses valdevinos, dera-lhe a rua como morada. Os Parras eram outra gente. E chegava a suspeitar da mulher, magicando se ela não teria fabricado aquela cria com algum maltês das cabanas da serra. Acabara por considerar tal desconfiança como demonstrada e, quando os azedos da vida precisavam ser desafogados, sussurrava a mulher por essa fidelidade longínqua.
Sabia, como o sabia toda a gente, que a sonsa tinha sempre uma malga à espera das surtidas do filho, e agora que o via de longe, farejando entre as courelas, ia pensando que, um dia qualquer, acabaria por deixá-lo estendido no descampado. Costumava esconder-se entre as sabes e entrar mais tarde, de supetão, filando mãe e filho abancados na cozinha. Sovava-os então voluptuosamente, até os braços se estafarem. Conhecia melhor o corpo da mulher por aquele som de ripas vazias do que pelo tacto.”




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