domingo, 31 de julho de 2016

Gilles Lipovetsky in entrevista a José Eduardo Franco, Letras Convida nº 7 (2014-2016), INCM.

“Não há crise de pensamento. Há muitos bons livros, como muito bom cinema. O problema é que hoje ainda não temos capacidade de avaliar tanta produção intelectual que todos os anos vem a lume. Milhares e milhares de livros são editados anualmente em toda a Europa. O que está a mudar na verdade é o lugar dos intelectuais e o papel do pensamento na nossa sociedade. As ideologias não estão propriamente mortas, mas já não entusiasmam tanto. A grande ideologia de hoje é a ecologia, mas a ecologia não anima, cria pânico, pois diz-nos que caminhamos para o desastre… É uma ideologia de sobrevivência terrena. Os jovens preferem a música aos livros, as imagens ao puro pensamento! É a vitória do ecrã sobre o escrito, sobre os livros…O homem de hoje está mais atraído pelas coisas que mudam depressa, pelas novidades. Continua a haver curiosidade mas rápida. O homem de hoje em geral não vive para o pensamento, mas vive mais para consumir o pensamento produzido. Mas isto não é um drama absoluto. Há ainda e haverá grandes pensadores. Afirmava Friedrick Nietzsche que o grande pensamento é forçosamente aristocrático, é produzido por uma pequena elite. Não há génios por todo o lado. Há poucos. Serão sempre uma minoria. A produção de pensamento novo, mesmo as grandes invenções científicas, é obra de poucos. O pensamento profundo é difícil e abstrato, é moroso…”


quinta-feira, 28 de julho de 2016

Letras Convida - Literatura, Cultura e Arte, CLEPUL, CIDH, IECC-PMA e INCM, nº 7 (2014-2016)

Recebi hoje o meu exemplar, apesar de ser a edição nº 7, é o meu primeiro exemplar, tem como tema principal: Maria Teresa Horta "Emblemática romancista e poetisa, é uma das personalidades mais prestigiadas da literatura portuguesa contemporânea."
Por se tratar de uma edição especial, este número vem acompanhado pelo volume antezero do Grande Dicionário Enciclopédico da Madeira!
Duas preciosidades pelo preço de uma...

terça-feira, 26 de julho de 2016

Rainer Maria Rilke in Elegias de Duíno, Os Sonetos a Orfeu, tradução de Vasco Graça Moura, Bertrand, 2007.

“A Primeira Elegia

Quem, se eu gritasse, me ouviria de entre as ordens
dos anjos? E mesmo que um deles, de repente,
me cingisse ao coração: eu desfaleceria da sua
existência mais forte. Pois o belo não é mais
do que o começo do terrível, que ainda mal suportamos,
e deslumbra-nos assim porque, imperturbado,
desdenha aniquilar-nos. Todo o anjo é terrível.

E eu me retraio então e engulo o chamariz
do escuro soluçar. Ah, de quem podemos
então necessitar? Dos anjos, não, dos homens, não,
e os animais astutos já reparam
que não estamos à vontade nem em casa
no mundo interpretado. Fica-nos talvez
qualquer árvore no declive, para diariamente
mais uma vez a vermos; fica-nos a rua de ontem
e a fidelidade mimalha de algum hábito
a que calhámos bem e então ficou e não se foi.

[…] “

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Livro: O Mistério da Estrada de Sintra, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, BI077, 2010.


Terminei finalmente a leitura deste pequeno romance policial, não porque fosse maçudo, ou coisa que tal, mas porque tendo eu iniciado a sua leitura já na última semana de férias, quando cheguei a casa, tinhas várias leituras periódicas para ler e como gosto de ter as minhas leituras em dia, fiz uma pausa na sua leitura.
Pois bem, terminei-o mas com uma sensação estranha: se por um lado o enredo é substancial, a escrita é fenomenal, já a história, a personagem feminina, o que ela representa, a condição da mulher, enfim, aquelas descrições de sentimentos, de valores, onde as mulheres, nada mais representavam do que um adereço, para merecerem algum respeito e possuírem algum valor social, tinham que se manter intactas, puras de sentimentos e de acções.
O que mais me “aflige” nestas leituras, é a auto-censura, o auto-flagelamento, que as mulheres da época tinham para consigo próprias.

“Oh doce vida das árvores e das plantas! Passividade da relva, irresponsabilidade da água, pacífico sono dos musgos, suave pousar da sombra! Quantas vezes me consolaste, e me ensinaste a sofrer calada! Quantas vezes invejava a imobilidade do vosso ser!
Era ali, só, relendo essas cartas cruéis, que eu sentia o amor daquele homem fugir-me como a água de um regato que se quer tomar entre os dedos.
Que me restaria então?
Voltar então à serenidade legítima da vida? Não podia, ai de mim! Estava para sempre expulsa do paraíso pacífico da família, da casta sombra do dever. Lançar-me nas aventuras e na revolta? Meus Deus! Isso repugnava tanto o meu carácter como o contacto dum animal viscoso à pele do meu peito.
Ficava, pois, sem situação na vida. Não tinha nela um lugar definido. Entrava nessa legião dolorosa e tristemente miserável – das mulheres abandonada.”


O mistério da estrada de Sintra, escrito a duas mãos por Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, é um romance policial e de época, que recomendo que leiam…


quinta-feira, 21 de julho de 2016

Em vez de um prefácio.

Nos terríveis anos de Iezhov passei dezassete meses nas filas de prisão em Leninegrado. Certa vez alguém «identificou-me». Então uma mulher de olhos azuis que estava atrás de mim, que de certeza nunca ouvira o meu nome, saiu desse torpor próprio de todos nós naquela altura e perguntou-me ao ouvido (aí todos falavam num murmúrio):
- É capaz de descrever isto?
E eu respondi:
- Sou.
Então algo parecido com um sorriso perpassou por aquilo que outrora fora o seu rosto.

1 de Abril de 1957.
Leninegrado

Anna Akhmatova, in “Poemas”, tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev, Relógio D’Água, 2003.


O meu exemplar chegou hoje...


terça-feira, 19 de julho de 2016

Píndaro in revista Ler, Verão 2016.

A badana da revista LER, traz sempre um poema, desta vez, deparei-me com Píndaro…

“Para Hierão de Etna
Vencedor na corrida de carro

Lira de ouro, pertença de Apolo e das Musas de tranças
cor violeta, o passo de dança, principio do esplendor festivo,
ouve-te , e os cantores seguem os teus sinais, quando, vibradas
as cordas, dás inicio aos prelúdios condutores dos coros.
E extingues o raio de fogo pontiagudo que corre eternamente.
A águia dorme no ceptro de Zeus, deixando tombar para
ambos os lados as rápidas asas.

À rainha das aves, derramaste-lhe sobre a sua cabeça dobrada
uma nuvem de faces negras, o suave fechar dos olhos.
E, dormindo, ela balança as costas lânguidas, tomada pelas
tuas rajadas de vento. Até o violento Ares deixa de lado
a ponta rija das lanças e aquece o coração num profundo
sono. As tuas flechas encantam o espírito das divindades com
a perícia do filho de Leto e das Musas de cintura fina
e de formosos seios.
[…]

Píndaro
[Grécia, 518-442 AEC]
(Tradução de António de Castro Caeiro em Odes a Píndaro, Quetzal, 2010)”


segunda-feira, 18 de julho de 2016

Maria Teresa Horta in entrevista a Maria Leonor Nunes, JL nº 1194 de 2016-07-06.

Uma fabulosa e desassombrada entrevista de Maria Teresa Horta (MHT) a propósito do seu mais novo romance “Anunciações”:

«A Maria de MTH não diz “Faça-se em mim a vontade do Senhor. Ela é “desobediência”, “desejo”, “sexualidade”. E no princípio, era “mulher”. Assim a poetisa e ficcionista reescreve uma das passagens da Bíblia mais celebradas por poetas, pintores e escultores, a Anunciação do Anjo a Maria, contando outra narrativa, com a intensa beleza da sua palavra poética, o entendimento feminista e a ousadia de questionar tabus, mitos, a história de “abusos” da sociedade patriarcal. Para ela, Maria foi a primeira feminista, Jesus Cristo não é o filho de Deus, mas da sua paixão pelo anjo Gabriel, tornado humano na relação com ela. E é isto que anuncia. Porque as anunciações não são apenas ofício de anjos, mas de poetas, como garante. E os poetas, diz, são a “esperança do mundo”.”

“Segundo a Bíblia, Maria diz “Faça-se em mim a vontade do Senhor”. E eu digo que não o disse. A minha paixão por Maria vem precisamente do facto de achar que ela foi a primeira mulher que diz”não, Em mim faz-se o que eu quero”.


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Maria Teresa Horta in Anunciações, D. Quixote, 2016.

A minha mãe que me inspira todos os dias, completou hoje 81 anos, a ela dedico este belo poema, de autoria de Maria Teresa:

Feminino

Qual é o meu
destino de mulher
*
Predestinada dos céus
a ser exemplo do mundo
*
O de mãe?
*
No seu sagrado
mais puro
que deste modo nem quero
*
Num feminino difuso