quinta-feira, 30 de julho de 2015

António Carlos Cortez, in Maria Teresa Horta, Comigo Me Desavim, JL nº 1169 de 2015-07-22

“A obra de Maria Teresa Horta (MTH) tem sido, desde a sua estreia, um contínuo questionar das fronteiras entre a palavra e o corpo. Como escreveu António Ramos Rosa num ensaio intitulado “MHT ou a sublevação do corpo”: “Todos os poemas da autora são poemas em que o desejo se enuncia sem entraves, mas sem excluir o poder encantatório de uma palavra que, na sua audácia sensual, mantêm ainda certo tom elegíaco, e como que um murmúrio em que se esbatem os contornos da enunciação. Julgo que a reedição de Minha Senhora de Mim esse «desejo sem entraves», aquele poder encantatório do discurso e a «audácia sensual» que não deixa, amiúde, de estar próxima de uma certa merencória expressão do amor.“





sexta-feira, 24 de julho de 2015

Livro: A confissão da leoa, Mia Couto, Caminho, 2012.

Iniciei a leitura desta obra a fim de satisfazer um compromisso de leitura acompanhada, o acompanhamento foi decepcionante, mas, a obra é maravilhosa.  
Através de A confissão da leoa, Mia Couto identifica os problemas que o povo moçambicano tem enfrentado ao longo dos anos: num tempo antes da independência e mesmo após a independência do país.
- Na guerra, os pobres são mortos. Na paz, os pobres morrem.”
Uma realidade sombria e muito sofrida tanto por homens como por mulheres, uma vida pobre e difícil que se esconde por detrás das praias paradisíacas e do carácter afável das suas gentes.
Gosto muito de ler Mia Couto, gosto da sua forma de escrever, cheia de metáforas e de palavras novas: o português moçambicano.
A gente vive sem pedir e morre sem ter licença.”
Estabeleci em tempos idos e de modo próprio, um plano de leituras, interrompi-o para experienciar algo diferente, mas, não gostei nada, por isso vou regressar ao meu plano, seja ele lá qual for…
É que também eu, “Sou feliz apenas antes de viver. Só tenho lembrança no que sonho. Por isso escrevo.”, mas, eu não escrevo, eu leio…
Termino recomendando-vos meus amigos, a leitura desta e de outras maravilhosas obras do Mia Couto.


domingo, 12 de julho de 2015

Livro: A Rainha Ginga e de como os africanos inventaram o mundo, José Eduardo Agualusa, Quetzal, 2014

Junto ao mar, num cenário deveras apropriado, terminei a leitura do romance levemente histórico, A Rainha Ginga e de como os africanos inventaram o mundo, do escritor, luso-angolano, ou será o inverso? José Eduardo Agualusa.
J. Eduardo Agualusa é um escritor de quem gosto muito, já li várias obras suas e de todas gostei, umas mais do que de outras, é certo, mas, de um modo geral aprecio bastante a sua escrita.
A ação deste romance decorre entre Luanda e territórios circundantes e o litoral do outro lado do Atlântico, Pernambuco, e as cidades de Olinda e Recife. Numa narrativa bastante ágil e movimentada, mas, sem a profundidade de outra obra, como A Gloriosa Família de Pepetela, é um romance muito interessante, um olhar visto por um “…dos secretários da rainha, um padre pernambucano em plena crise de fé, o agitado século em que esta viveu.”
Existirão certamente muitas histórias a serem contadas pelo lado dos africanos sobre os tempos da escravatura, dos reis/sobas, dos conquistadores e dos conquistados.
Como cidadã deste século, não me orgulho do nosso passado, mas a história tem que ser contada.

Recomendo a leitura de A Rainha Ginga e da obra do José Eduardo Agualusa…



sexta-feira, 10 de julho de 2015

António Araújo e Felipa Melo, in revista Ler, Verão de 2015

Ontem terminei a leitura de um pequeno ensaio na revista Ler, da autoria de António Araújo, subordinado ao tema "Consciência de Situação - Ensaio sobre The Falling Man".
Eu nunca tinha lido nada assim! Nem fazia a mais pequena ideia de que se calcula que no dia 11/09/2001, cerca de 200 pessoas tenham saltado das Torres Gémeas, "jumpers", o nome que dão aqueles que se atiram ou caem dos arranha-céus.
Um extraordinário e comovente ensaio!

Hoje li um outro texto sobre uma realidade muito mais próxima, "Os últimos marinheiros", um texto de Filipa Melo.
"Há três espécies de seres: os vivos, os mortos e os que andam no mar" 
(Anacársis)
“O colapso da frota bacalhoeira portuguesa não beliscou em nada o amor multissecular e incondicional do português pelo fiel amigo, no prato. (…)
Como bem disse José Quitério. «esquecendo a tortura que a todos afligistes na infância – ai, o malfadado óleo do teu fígado! – deram-te o aconchego das batatas, beliscaram-te com o grão, meteram-te entre fofos cobertores de farinha, coroaram-te com couves, cebolas e ovos, como um rei. Segmentaram-te em bolinhos e até te pediram que fosses sonhos. Cozeram-te, grelharam-te, assaram-te, guisaram-te, fritaram-te, albardaram-te, rechearam-te, arrozaram-te, exigiram-te consolos de consoadas, e só não te negaram três vezes porque, desalinhado e simples como és, recusaste a dimensão divina.» No final, esqueceram-se da tortura de quem te pescou, durante tanto tempo, à custa de tanto sacrifício. Há quem diga que é preciso ir para o mar, para aprender a rezar. E tenha razão.”



terça-feira, 7 de julho de 2015

Octogésimo aniversário da Senhora minha Mãe

Mãe, quando as palavras me faltam, peço ajuda aos poetas:

“Minha Memória Cetim

                       A minha mãe

Minha mãe
mulher-infância
*
Meus cabelos revoltados
minhas longas pernas nuas
meu espelho desirmanado
*
Minha mãe
mulher-infância
com sua pele marfim
*
minha água de beber
minha memória
cetim”

Maria Teresa Horta
in Minha Senhora de Mim, D. Quixote, 2015 (1ª edição 1971)

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Eduardo Lourenço, entrevista de Paulo Moura, in revista Ler nº 138, Verão de 2015


Ouvindo uma canção, Há uma música do Povo, interpretada pela Mariza, cuja letra é de Fernando Pessoa e música de Mário Pacheco, partilho convosco, três reflexões que me marcaram na entrevista que Eduardo Lourenço deu a Paulo Moura, in revista Ler nº 183, Verão de 2015:

“A tragédia individual atenua-se no destino coletivo, tal como a idade nos anestesia do medo da morte. Enganamo-la, até que alguém que amamos desaparece, e percebemos que essa eternidade nos é interdita. A Reforma e depois o fim da religião deixaram-nos sozinhos e desesperados. Estamos na hora zero do mundo, tornámos realidade a ficção científica, talvez não impunemente. Em que ponto estamos da História humana? Como seria o mundo se a Europa voltasse a ter protagonismo? E nós, portugueses, seria possível termos saído do império, sem sair? Como viveremos álibis? Tal como os homens, também as nações têm uma infinita capacidade de ilusão.”

“A Europa tem um problema, desde que existe: não sabe lidar com o Outro, o não-europeu. Aconteceu no tempo de Alexandre, e sobretudo quando surgiu outro fenómeno, que conquistou uma dimensão planetária: o islão. Vivemos séculos lado a lado vivemos séculos lado a lado sem que os víssemos, ou eles nos vissem a nós. O Império Turco foi para a Europa, uma espécie de União Europeia, desde 1453. Agora toda essa massa emerge, fruto da descolonização, numa espécie de sonambulismo histórico. Como podemos imaginar a integração do islão, que representou durante séculos a não-Europa, e não sabemos o que fazer com a Rússia? Como pode a Turquia entrar na União Europeia e a pátria de Tolstói e de Dostoievski ficar de fora?”

“Com o fim do império, estamos no fim da nossa narrativa. Depois do 25 de Abril todas as grandes manifestações, todos os acontecimentos importantes para nós, funcionam como referência ao império perdido. É a Ponte Vasco da Gama, a Europália… O que levámos? A gesta dos Descobrimentos. Não temos mais prata da casa para levar. A narrativa está no fim, mas por enquanto o nosso lugar de fuga ideal ainda não é esse momento. O nosso problema agora é que não temos álibi.”

“O nosso ensino ainda é muito orientado para o literário. Sei que é um povo com grandes tendências líricas, etc. Mas devíamos recuperar um pouco a energia que outros povos puseram na descoberta e trabalho científicos, na organização. Porque vivemos num mundo de competição feroz. Penso que será mais fácil recuperar uma desertificação das Humanidades do que a outra, onde, se não se tem uma formação sistemática, nunca mais se apanha o comboio.”

Eduardo Lourenço