terça-feira, 30 de junho de 2015

Safo, Poesia Grega, in revista Ler nº 183, Verão de 2015

“ELE, TU e EU

Aquele parece-me ser igual aos deuses,
o homem que à tua frente
está sentado e escuta de perto
a tua voz tão suave
*
e o teu riso maravilhoso, na verdade isto
põe-me o coração a palpitar no peito.
Pois quando te olho num relance, já não
consigo falar:
*
a língua se me quebrou e um subtil
fogo de imediato se pôs a correr debaixo da pele;
não vejo nada com os olhos, zunem-me
os ouvidos;
*
o suor escorre-me do corpo e o tremor
me toma toda. Fico mais verde do que a relva
e tenho a impressão de que por pouco
que não morro.

Safo
[Ilha de Lesbos, segunda metade do século VII a.C.]
[Poesia Grega, Tradução de Frederico Lourenço, Livros Cotovia, 2006]
in revista Ler, nº 183, Verão de 2015.


Hélia Correia, entrevista de Maria Leonor Nunes, in JL nº 1167 de 2015-07-07

De uma fabulosa entrevista de Hélia Correia, Prémio Camões, Estranha forma de escrita

"É que por vezes são histórias sobre o real que me fatigam. São muitos os livros de menos literatura, em que apenas se conta uma história. Não quero que me contem histórias. Gosto de falar de uma escrita holográfica. Os hologramas são unidimensionais, mas têm outras realidades lá dentro. É essa visão holográfica que me interessa. Se houver essa profundidade, várias camadas além do real imediato, aí esse contemporâneo já fala comigo. Se não for apenas a superfície do que é visível, porque nesse registo da superfície só se pode contar uma história. O alcance do que está para lá faz-se através do ajustamento e da coabitação de palavras que comummente não coabitam.”

“A familiaridade está a entorpecer as pessoas. Tudo é tão familiar que já não olhamos para as palavras de novo. Devíamos estranhá-las sempre que as usamos, sentir o seu deslumbramento. Quando escrevo, gosto de procurar devolver estranheza às coisas. Porque o mundo é estranho. Só que estamos tão habituados às mortes, à morte das crianças, ao pedinte estende a mão, que não estranhamos nada. Nem as palavras.”

Hélia Correia,  
in Entrevista de Maria Leonor Nunes, JL nº 1167 de 2015-07-07


segunda-feira, 29 de junho de 2015

Minha Senhora de Mim, Maria Teresa Horta, in JL nº 1167 de 2015-06-07

Cheguei à página 29 do JL e li, maravilhei-me com o texto lido na apresentação da nova edição do livro "Minha Senhora de Mim", por Maria Teresa Horta. É belo, belo, belo!
Apreciem só a força do último parágrafo:

"Mas, quem é da condição do fogo não tem medo do fogo; por isso, aqui estamos os dois, no nosso interior intacto, tantos anos depois, em liberdade, eu e Minha Senhora de Mim, meu livro de labareda e paixão."

sábado, 27 de junho de 2015

Livro: Retrato do Artista quando Jovem, James Joyce, Relógio D’Água, 2012.

Tenho lido ao longo dos anos muitos livros, uns interessantes, outros giros, alguns curiosos, outros nem tanto, mas, depois, existem os bons. Os livros bons, para mim, são aqueles que definitivamente me acrescentam algo, quer a nível literário, quer a nível pessoal e intelectual.
A primeira obra que leio de James Joyce, Retrato do Artista quando Jovem, é um magnífico exemplo de um livro que consideraria, ou melhor, que considero um livro bom, é denso, substancial, magistralmente escrito, tem conteúdo.
Existem outras obras, porventura mais conhecidas deste escritor irlandês, desejava aliás, ter começado com o Ulisses, mas aconselharam-me a não me “atirar” logo a essa obra, indicaram-me este título ou então o Gentes de Dublin, apareceu-me primeiro este…

A novela descreve a infância em Dublin de Stephen Dedalus e a sua busca de identidade. As diferentes fases da vida do protagonista, da infância à vida universitária, refletem-se em mudanças no estilo narrativo. Os aspetos biográficos são tratados com irónico distanciamento, num trajeto que culmina com a rotura com a igreja e a descoberta de uma vocação artística.
A obra é também um reconhecível auto-retrato da juventude de James Joyce, assim como uma homenagem universal à imaginação dos artistas.”
«As ciladas do mundo eram as oportunidades que este proporcionava para pecar. Ele acabaria por cair em tentação. Ainda não caíra, mas haveria de cair, em silêncio, num breve instante. Não cair era demasiado árduo, demasiado árduo; e ele sentia a queda silenciosa da sua alma, tal como iria ocorrer num instante futuro, a cair em tentação, a cair mas sem ainda ter caído, ainda sem ter caído mas prestes a cair

Pág.161

«Não te fatiga um tal viver ardente,
Negaça do caído serafim?
Cessem encantos do tempo silente.

Queimam teus olhos com lume mordente
Feitos humanos que vergaste enfim.
Não te fadiga um tal viver ardente?

Sobem dos mares até ao poente
Laudes de fumo sem chama carmim.
Cessem encantos do tempo silente.

Eucarístico hino em voz plangente
Lançamos aos céus em triste clarim
Não te fatiga um tal viver ardente?

Mãos sacrificiais da alma crente
O cálice já cheio erguem assim.
Cessem encantos do tempo silente.

Em beleza tréguas não consente
Langor no gesto e na pele cetim!
Não te fatiga um tal viver ardente?
Crescem encantos do tempo silente.»

Pág.221

«Sim, gostei dela hoje. Um bocadinho ou muito? Não sei. Gostei dela, o que me parece um novo sentimento. Então, nesse caso, tudo o resto, tudo o que pensei que pensava e tudo o que senti que sentia, tudo o resto que antes sucedeu, na realidade… Ah, desiste, velho amigo! Vai dormir, que isso passa-te

Pág. 249


Uma delícia de livro, meus amigos, recomendo vivamente a leitura desta obra, quanto a mim, aguardo ansiosa a oportunidade de ler outra vez James, James Joyce… 



quarta-feira, 24 de junho de 2015

Dez livros essenciais para qualquer infância.

Um dia destes pediram-me sugestões sobre livros para os mais novos lerem durante as férias grandes. Eis senão quando me aparece uma lista de 10 livros fantásticos, recomendados por um excelente escritor, de quem, confesso, ainda não li nenhum livro, desta lista que transcrevo, li três ou quatro, se bem me lembro:

“Viva a juventude. Com a traquinice de Tom Sawyer e a curiosidade de Alice, que rompe pelas quatro partidas do mundo, derrote os piratas e os opressores, cultive a camaradagem e a solidariedade universal, desperte a imaginação e a fantasia e se espante com as maravilhas e incongruências da vida. Trata-se de «plantar uma tenda em cada estrela» como dizia o nosso Antero. Pois bem, que cada um desses grandes livros deixe como sinal uma tenda, lá longe, bem fincada.”

Mário de Carvalho

·         As Aventuras de Tom Sawyer - Mark Twein
·         Alice no País das Maravilhas – Lewis Carrol
·         Os Três Mosqueteiros – Alexandre Dumas
·         Robinson Crusoe – Daniel Defoe
·         As Viagens de Gulliver – Jonathan Swift
·         A Ilha de Coral – H. M. Ballantyne
·          A Ilha do Tesouro – Robert Louis Stevenson
·         Sandokan, O Tigre da Malásia – Emilio Salgari
·         As Aventuras de Rocambole – Ponson du Terrail
·         Miguel Stogoff – Júlio Verne

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Quadras aeroportuárias




Oh meu querido Santo António

Santo da minha devoção

Traz bons ares ao aeroporto

Que isto está uma confusão!

*

Com o progresso tecnológico

Tudo se compra na net

É o telemóvel, é o vestido

Mas nada de juntar o frete!

*

Esquecem-se da mercadoria

Atrasam-se nas declarações

Depois ficam estupefactos

Pois têm de pagar Leilões!

*

Exigimos com rigor

Tudo o que é necessário

A Contrastaria, o Cites

O Furim e o Fitossanitário!

*

O operador económico

Vem esbaforido a reclamar!

E tão urgente! Ai o cliente!

Onde é que isto vai parar?!

*

Pode dar-me uma franquia?

Qual é o melhor artigo?

Imprime-me a declaração?

Veja em mim um amigo!

*

Faz um milagre bem feito

No momento de desalfandegar

Queremos a fatura correta

Não nos estejam a aldrabar!

*

Controlo documental?

E melhor verificar!

Na fatura estão cebolas

No volume um alguidar!

*

O comprovativo de pagamento

E diferente da fatura

Toma lá uma coima

Ai meu Santo, que loucura!

*

Nesta Alfândega do Aeroporto

Quem está primeiro é o utente

Tem toda a consideração

E na verdade nunca mente… !

*

E se a divida surgir

A carga não vai embora

Vem a malta das Finanças

Tem de proceder à Penhora!

*

Quero a minha carga já!

O valor real? Nem vê-lo!

Não concordo com nada disto,

Traga-me o Livro Amarelo!

*

Tudo funciona tão bem

Neste mundo aduaneiro

Sto António de Lisboa

Fica cá o ano inteiro!