segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Livro: Cândido ou O Otimismo, Voltaire, Relógio D’Água, 2016.

A leitura desta obra foi antecedida pela d’O Tratado sobre a Tolerância – Por ocasião da morte de Jean Calas, contudo, este pequeno ensaio, que os doutos entendidos consideram filosófico, foi escrito em 1759, enquanto aquele foi escrito posteriormente, em 1763. Isto para dizer que se calhar deveria ter começado por ler o Cândido ou o Otimismo e só depois o Tratado sobre a Tolerância.
Se tal tivesse acontecido provavelmente hoje sentir-me-ia mais confusa acerca do pensamento de Voltaire, bem sei que nesta obra que ora terminei, Voltaire constrói uma sátira à tese de Leibeniz, um filósofo alemão, que defendia entre outras ideias, que tudo o que nos acontece, de bom ou de mau, tem uma razão de ser e que no fim, tudo vai acabar bem, o melhor possível.

“- Está demonstrado – dizia ele [o preceptor de Cândido] – que as coisas não podem ser de outra maneira; pois, como tudo é feito para um fim, tudo está necessariamente destinado ao melhor fim. (…) Assim sendo, aqueles que afirmavam que tudo está bem disseram uma tolice; deviam era dizer que tudo está o melhor possível.”

Partindo desta ideia, Voltaire conta-nos uma história aventurosa, uma saga mirabolante, protagonizada por um jovem alemão, muito ingénuo, muito cândido, que inicia uma viagem pela metade do mundo, em busca daquela que considerava a mulher da sua vida.
Muito fantasiosa e espampanante, são inúmeras as peripécias e as personagens singulares que o jovem Cândido, vai encontrando ao longo da sua jornada, até à conclusão final:

“No melhor dos mundos possíveis, todos os acontecimentos andam encadeados; porque afinal, se o senhor não tivesse sido expulso de um belo castelo com grandes pontapés no traseiro por amor da menina Cunégonde, se não tivesse sido encarcerado pela Inquisição, se não tivesse corrido a América a pé, se não tivesse dado uma boa estocada no barão, se não tivesse perdido todos os carneiros do bom país do Eldorado, não estaria agora aqui a comer pistácios e cidra cristalizada.”

A magistral resposta de Cândido, a esta observação do seu preceptor, foi:
“- Tudo isso é muito bonito – respondia Cândido -, mas temos de cultivar o nosso jardim.”

Estas leituras que fiz de Voltaire foram muito interessantes e reflexivas, espero voltar a ele, para já só posso recomendar a sua leitura…


sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Livro: Tratado sobre a Tolerância, Voltaire, Relógio D’Água, 2015.

Enquanto os ataques terroristas se sucediam em França, o interesse por esta obra de Voltaire saiu da Academia onde é estudada há muito e veio para o grande público francês, mas não só, através da comunicação social e das redes sociais.
A partir de um acontecimento real relacionado com a morte de um jovem, alegadamente perpetrada pelo próprio pai com a ajuda da mãe, do irmão e de um amigo, por motivos religiosos, o que se vem a revelar um cruel erro judicial, pois o jovem tinha cometido suicídio, também por questões religiosas, Voltaire analisa e reflete sobre a tolerância e intolerância religiosas ao longo dos tempos:

Porque ou os juízes de Toulouse, levados pelo fanatismo da populaça, fizeram supliciar na roda um pai de família inocente, o que é sem exemplo; ou esse pai e a sua mulher estrangularam o seu filho mais velho, ajudados neste parricídio por um outro filho e por um amigo, o que é contrário à natureza. Num e noutro caso o abuso da mais santa das religiões produziu um grande crime. É pois do interesse do género humano examinar se a religião deve ser caridosa ou bárbara.”

Voltaire discorre sobre o direito natural, “aquele que a natureza indica a todos os homens”, e o direito humano, que “deve ser fundado, sem excepção, sobre o direito da natureza” e sobre aquele que considera o grande princípio universal que devemos seguir: «Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti», ele recua até ao tempo dos gregos, dos romanos, dos primeiros cristãos, sem deixar de referir os povos que compunham o mundo conhecido: chineses, indianos, egípcios, árabes, etc.
Voltaire escreve:

Assim é, pois, quando a natureza faz, pelo seu lado, ouvir a sua voz doce e benfazeja, o fanatismo, esse inimigo da natureza, faz, pelo seu lado, soltar urros, e quando a paz se apresenta aos homens, a intolerância forja as suas armas.” 
Clama: “Ó vós, árbitros das nações, que haveis dado a paz à Europa, escolhei entre o espírito pacífico e o espírito homicida!”

E conclui:

“Há um edifício imenso que eu [a natureza], com as minhas próprias mãos, construí os alicerces: era sólido e simples, todos os homens podiam entrar nele sem temer nada; quiseram acrescentar-lhe os mais bizarros, os mais boçais e os mais inúteis ornamentos; para onde quer que voltemos, o edifício cai em ruínas; os homens agarram nas pedras e atiram-nas uns aos outros; eu bem lhe grito: Parem com isso, afastai todo esse entulho funesto que é obra vossa, e ficai ao pé de mim, em paz, no edifício inabalável que é o meu.”

Este é um livro de apenas 153 páginas, mas, imenso de significado e reflexão.

Recomendo vivamente a sua leitura, mas de uma forma conscienciosa, eu voltarei a ele com certeza…



domingo, 11 de dezembro de 2016

Livro: Os Demónios, Fiódor Dostoievski, Relógio D’Água, 2010.

Terminar a leitura de uma obra como Os Demónios de Fiódor D., deixa-nos diferentes, algo desconfortáveis, deixa um lastro que só certos escritores conseguem através da força que imprimem nas palavras, das emoções que despertam em nós, os temas em si são poderosos: a alma russa, o povo, as classes sociais, o clima e a religião, está tudo ali, uma intensidade, uma escalpelização da sociedade russa do século XIX, Fiódor D.teve a capacidade de ler os sinais e de antecipar “… os excessos e sofrimentos para que o seu país caminhava.”
Neste romance Fiódor D. aborda as «novas ideias» e as novas correntes políticas, que proliferavam naquela época, nomeadamente o niilismo, ao que pude apurar (pois não li ainda), um tema já tratado por outro escritor russo, Ivan Turguéniev, no seu romance Pais e Filhos.
O niilismo, muito sucintamente, é uma corrente filosófica “… cuja principal característica é uma visão cética e radical em relação às interpretações da realidade, que aniquila valores e convicções. É a desvalorização e a morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta ao “porquê”. Os valores tradicionais depreciam-se e os "princípios e critérios absolutos dissolvem-se. Tudo é sacudido, posto radicalmente em discussão.”
“Na Rússia, uma vez saído do restrito âmbito filosófico e literário para o plano social e político, o niilismo passa a designar um movimento de rebelião contra a ordem estabelecida, o atraso, o imobilismo da sociedade e os seus valores.”

Fiódor D.escreveu outros livros, porventura mais conhecidos, tais como: Crime e Castigo (1866), Os Irmãos Karamazov (1880), O Jogador (1867) ou o Ofendidos e Humilhados (1860).
Esta obra literária tem uma particularidade de contemplar dois “Capítulo Nono”, por detrás desta singularidade existe uma história:

De acordo com o editor, “na primeira edição russa, o editor da revista Russki Véstnik, recusou o capítulo nono do romance a pretexto de que não passaria na censura. Dostoievki escreveu assim um novo capítulo nono, completamente diferente do inicial.”

As edições até 1922 contemplavam essa segunda versão do romance, a partir dessa data o destino do capítulo nono original era variável tanto em edições estrangeiras como russas, umas vezes era incluído no final da segunda parte, outras vezes como apêndice, em algumas vezes nem aparecia.
O “Capitulo Nono” original é muito importante para compreendermos as razões que levaram ao suicídio, um dos personagens principais, Nikolay Vsevolodovitch Stavróguin, um jovem aristocrata. E não deixa de ser interessante constatar que já naquele tempo a pedofilia era um tema tabu.

Muito mais poderia dizer sobre esta obra, de tão rica que é, mas eu mesma ainda estou a interiorizá-la e a digeri-la, resta-me recomendar a sua leitura, e desejar voltar a Fiódor Dostoievski o quanto antes…


domingo, 4 de dezembro de 2016

Os melhores presentes de Natal!

Li algures que:

Os LIVROS são os melhores presentes de Natal!

1. Os livros são mais fáceis de embrulhar do que bolas de futebol
2. Os livros não necessitam de bateria
3. Os livros nunca vêm no tamanho ou cor errada
4. Não te magoas se pisares um livro a meio da noite
5. Os livros nunca precisam de ser engomados
6. Os livros não precisam de ser montados depois de oferecidos
7. Quando terminas um livro ele não fica vazio
8. Um livro é um presente que pode ser aberto uma e outra, e outra vez.


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Livro: Granta 8 - Medo, Tinta-da-China, Outubro de 2016.

Terminei a leitura da revista Granta, desta vez o tema escolhido foi o Medo, sentiacuriosidade a cerca deste tópico e aguardava com alguma expectativa a chegada da revista, ela não me decepcionou, os contos são todos fortes, uns de cariz mais pessoal, dramas, acontecimentos que não mais foram esquecidos, outros, ficções construídas em cima de cenários de guerra presente e passada, não estava à espera, confesso, uma coisa é ler sobre guerras passadas, lá, longinquamente no tempo, outra bem diferente é ler sobre conflitos bem recentes e sobre guerras que estão a acontecer, cenários de horror, seres humanos que vivem gerações em permanente estado de Medo, só porque pensam, professam, vivem de modo diferente.
Os autores dos textos são fantásticos, cada um com o seu estilo bem distinto, gostei de os descobrir e apreciar.
Enquanto tema, o Medo conduz-nos à nossa experiência pessoal, o que é o Medo, de que é que temos Medo, como o enfrentamos. Todos nós já passamos por experiências em que batemos de frente com o Medo. O Medo faz parte das nossas vidas e por Medo seguimos um caminho e não outro. As nossas vidas desenrolam-se e só depende de nós deixar que o Medo bloqueie as nossas acções e os nossos sonhos, ou lhes imponha um freio para que não desembestemosestrada fora. Afinal o que procuramos nós senão o equilíbrio?

Termino esta singela reflexão, recomendando vivamente a leitura desta nova Granta


sábado, 5 de novembro de 2016

Livro: A Abadia de Northanger, Jane Austen, Relógio D’Água, 2016.

Gosto de cumprir os planos de leitura que auto-estabeleço, desta forma procuro seguir um caminho num meio onde seria muito fácil perder-me.Mas, não, não sou rígida. Leio por prazer, não corro atrás de nada nem de ninguém, sigo os meus ritmos, a minha curiosidade. Já basta a vida quotidiana, com os seus horários e projectos, aí sim, temos obrigações, deveres, compromissos a que não podemos faltar, adiar, procrastinar.
Neste mundo só meu, durante este período de férias, vim recolher dois livros de Jane Austen para os levar para casa, um deles, Orgulho e Preconceito, já o tinha lido, aqui, dei conta da minha reflexão, mas A Abadia de Northanger, ainda não.
E foi este romance que terminei de ler ontem à noite, uma leitura muito agradável, deliciosa mesmo:

“…A Abadia de Northanger tem a mais jovem heroína de Jane Austen e é uma história de amor juvenil com o inevitável fim feliz, contada de modo simples em prosa vívida e elegante, com frequentes intervenções da autora. É a história de uma jovem atraente, ingénua e gentil, que se torna consciente de si própria e aprende as complexidades da moral social e pessoal e se apercebe de que a vidarealnada tem em comum com os excêntricos romances góticos que alimentaram a sua excitada imaginação.”

Esta edição tem a particularidade de possuir um posfácio escrito por P.D. James, uma escritora inglesa de policiais que muito admiro, o excerto sobredito é seu.
Para terminar e como corolário deste gentil romance de Jane Austen, deixo-vos as palavras da autora que finalizam a obra:

“Começar uma vida de perfeita felicidade aos vinte e seis e aos dezoito anos é muito bom. E estando eu convencida de que a interferência injusta do general, longe de prejudicar a felicidade deles, lhe foi talvez favorável, permitindo que se conhecessem melhor e que fortalecessem o seu amor, deixo, a quem esteja interessado, o cuidado de apreciar se a tendência desta obra é a de recomendar a tirania paterna ou de recompensar a desobediência filial.”


Recomendo a leitura deste romance a todos vós, quanto a mim desejo continuar a descobrir as heroínas de Jane Austen...



segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Livro: Ronda das mil belas em frol, Mário de Carvalho, Porto Editora,2016.

Mesmo em período de férias, por mais curtas que sejam, as leituras acompanham-me para todo o lado, sendo certo que não me fiz acompanhar de Os Demónios de Fiodor Dostoievski, a minha leitura actual, trouxe em seu lugar a revista Visão, rapidamente concluída, bem como, a Ler Outono 2016, uma revista literária muito interessante.
Pois bem, depois de ter lido uma entrevista do escritor Mário de Carvalho, ao Jornal de Letras Artes e Ideias e ainda de uma recensão crítica de Miguel Real, ao novo romance Ronda das mil belas em frol, resolvi adquiri-lo para ofertar alguém muito especial.
Ainda não tinha lido nenhuma obra de Mário de Carvalho, e veja-se só, estreei-me com “um livro de ficção sobre sexo”. Este pequeno livro de 101 páginas, composto por um conjunto de 16 contos e epílogo é um livro absolutamente… curioso, pelo menos para mim. Nele vemos serem retratadas diversos tipos de mulheres e as suas diferentes formas de encararem o sexo, tudo numa perspectiva de um único homem. Uma realidade que ingenuamente desconhecia, mas queintuía, sem falsos pudores.
Numa linguagem rica, poética e nada chocante, o autor conduz-nos através de um mundo que nos faz refletir entre as fronteiras do sexo e aquele mundo que construímos e em que cremos.

Recomendo a leitura deste pequeno e surpreendente Ronda das mil belas em frol.