quinta-feira, 14 de maio de 2020

Livro: Jerusalém, Gonçalo M. Tavares, Círculo de Leitores, 2004.


Fui sempre de comprar mais livros do que aqueles que consigo ler em tempo útil, por assim dizer.

O acto de buscar, de encontrar, de folhear, de cheirar, de trazer para casa, de estar ali ao alcance da vista e da mão, é um prazer inigualável, é retemperador, é um prémio, cada livro é uma promessa de bem viver.

Ontem à noite acabei de ler Jerusalém, do Gonçalo M. Tavares (1970), um autor que conheço e acompanho há muito, mas de quem só lia a coluna Diário no JL, uma pequenina coluna.

Há 16 anos que Jerusalém aguardava pacientemente que lhe desse atenção.

Li algures que Gonçalo M. Tavares é o continuador de António Lobo Antunes (ALA), curiosamente, integrado neste plano de leituras de autores portugueses masculinos, fiz também a minha primeira leitura de ALA, A Memória de Elefante, o seu primeiro romance publicado, também passado entre um hospital psiquiátrico e o quotidiano, visto pelo médico, o narrador, inquietante.

Relativamente a Jerusalém, é um livro poderoso, profundo, com os personagens a funcionarem entre o real e a loucura, não é um livro fácil, com um tema incómodo, é uma leitura exigente e igualmente inquietante.

Ernest Spengler estava sozinho no sótão, já com a janela aberta, preparado para se atirar quando, subitamente, o telefone tocou. Uma vez, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, Ernest atendeu.”

Finalizando, lanço um desafio para leituras desassombradas…


quinta-feira, 7 de maio de 2020

Livro: Levantado do Chão, José Saramago, 1989, Círculo de Leitores.


Muito antes de José Saramago (1922-2010) ganhar o Prémio Nobel de Literatura (1998), cá em casa já havia um fervoroso admirador da sua forma de contar estórias.

Naquele tempo comprávamos livros através da revista do Circulo de Leitores, e foi através do clube que o nome do escritor se tornou familiar no seio da nossa família, à hora do jantar, o Luis sentia verdadeiro prazer em contar as peripécias porque iam passando a Blimunda Sete-Luas e o Baltasar Sete-Sóis, numa estória sobre um rei que fizera uma promessa de levantar um Convento em Mafra se a rainha engravidasse.

Mais tarde, quando os filhos leram o Memorial do Convento, a conversa passou a ser ainda mais animada.

Demorei muitos anos a ler a grande obra, mas, gostei mais de Levantado do Chão, o romance que acabei de ler no dia 5 de maio, o Dia Mundial da Língua Portuguesa.

Um romance brutal, atrevo-me a escrever.

O retrato de uma forma de viver(?) cruel e desumana dos trabalhadores alentejanos, subjugados, oprimidos e explorados pelos grandes proprietários, a igreja, a guarda e a polícia.

O romance abarca um período compreendido entre o final do século XIX até ao 25 de abril de 1974.


A forma de escrever de Saramago, muito pouca pontuação e sem o sinal travessão, obriga-nos a uma atenção redobrada, os pensamentos do narrador irrompem pelos “diálogos” entre os personagens, gostei muitíssimo.

“E não sejam as flores vosso cuidado, senhora mãe, que à fonte do Amieiro irei colher das silvestres que neste mês de Maio cobrem os vales e as colinas, e estando as laranjeiras floridas ramos delas trarei e assim nosso postigo será janela enfeitada como varanda de alcácer, menos que os outros não seremos, porque somos tanto.”

Concluo, recomendo vivamente a leitura de Levantado do Chão



Eu também...