sábado, 31 de outubro de 2015

Maria Teresa Horta in Lilith, Meninas, D. Quixote, 2014.

“Resvalando, deslizando, apercebendo-me de estar a perder a memória; mas inconsciente ainda de estar a aproximar-me, cada vez mais e mais, do perfeito abandono a que leva o nascimento.”


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Simone de Beauvoir in Capitulo I, Os dados da Biologia, O Segundo Sexo, volume 1, D. Quixote, 2015.

“Mas a diferença fundamental entre o macho e a fêmea dos mamíferos está em que, no mesmo rápido instante, o espermatozóide, pelo qual a vida do macho se transcende noutro, desgarra-se do seu corpo e torna-se estranho a ele; assim o macho, no momento em que supera a sua individualidade, nela se encerra novamente.”

Maria Teresa Horta in Lilith, Meninas, D. Quixote, 2014.

“Surpresa, sinto chegar a dor: seta afiada, ácida, laminada, a lacerar-me as articulações dos braços, idênticos a delgados juncos, enroscados em torno do lugar onde fantasio situar-se a curvatura das tuas ancas. Iço-me, relutante, pois deixei de escutar-te os gemidos, não obstante continuar a saborear-te o áspero sal das lágrimas, que me enchem a boca com o sabor ázimo da vertigem. Por segundos aquieto-me interdita, até julgar reconhecer ao longe o azul transparente do cintilante cristal dos teus olhos. E apesar das sombras, retrocedo no sentido inverso daquele para onde, sem dar por isso, começo a ser empurrada, mansa na tentativa de ganhar alento.”


Maria Teresa Horta in Lilith, Meninas, D. Quixote, 2014.

“Torno a alinhar-me a par contigo: as duas sobrepostas. Travo amargo colhido no universo perverso da inocência, terreno onde o sentimento cede, condenando a transfiguração do nosso relacionamento. Fica a sobejar somente um vaguíssimo espaço de fluidos difusos onde absurdamente lenta me distendo, como se boiasse, mas afinal nadando em ti.”



Simone de Beauvoir in Capitulo I, Os dados da Biologia, O Segundo Sexo, volume 1, D. Quixote, 2015.

“A mulher? É muito simples, dizem os amadores de fórmulas simples: é uma matriz, um ovário; é uma fêmea, e esta palavra basta para defini-la. Na boca do homem o epíteto «fêmea» soa como um insulto; no entanto, ele não se envergonha da sua animalidade, sente-se, ao contrário, orgulhoso se dizem dele: «É um macho!» O termo «fêmea» é pejorativo, não porque enraíza a mulher na Natureza, mas porque a confina no seu sexo.”


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

GRANTA 6 - Noite, Tinta-da-China, Outubro de 2015.

Ontem ao final da tarde, embalados pela música do Ahmad Jamal, terminava eu a leitura da Granta, enquanto o Luis se entretinha a preparar o jantar para nós os dois. Um fantástico e sereno final de dia…
Foi uma boa leitura para o Outono sempre tão ameno no Funchal.
O tema escolhido para este número foi a Noite e o Carlos Vaz Marques (CVM) no seu editorial escreve que 

Sabe-se lá o que a noite propicia e proporciona. Perdi a conta ao número de vezes em que me foi garantido que de noite todos os gatos são pardos. Também se dizia frequentemente que deitar cedo e cedo erguer, etc. e tal. O saber em conserva dos provérbios populares estava sempre disponível – e quanto mais rimado, mais verdadeiro.”

O CVM continua por aí, fora a tecer considerações bem curiosas sobre a noite versus o dia, terminando o seu editorial com a seguinte conclusão:

 “Na noite cabe tudo: o tangível e o imaginado, a insónia e o sono, o sonho e o pesadelo, o cansaço e o descanso, a boca que beija e a boca que morde, o isqueiro e a lâmina, o salto e o susto, a sombra e a sombra da sombra.”

Composto por quinze contos, de outros tantos escritores portugueses e estrangeiros, para além do Editorial sempre muito interessante do Carlos Vaz Marques.
Irei apenas referir os contos de que mais gostei: o conto de A. M. Pires Cabral, muito forte, muito consistente, muito completo; o conto de Robert Macfarlane, muito interessante; o conto de Helen Simpson, estranho e muito curioso; gostei do conto do William Boyd; não gostei nada do conto de Antónia Pellegrino, pelo tema e pela realidade que descreve; adorei os contos do José Rico Direitinho, do Colin Thubron, da Dulce Maria Cardoso, do Mário Cláudio e achei interessantes os contos da Ana Teresa Pereira e do Nuno Júdice.
De muito boa leitura, recomendo mais este número da GRANTA, da qual renovei a assinatura, pois permite-nos ir tomando contacto com novos e também já consagrados escritores…


sábado, 24 de outubro de 2015

Livro: Revista LER, nº 139, Fundação Circulo de Leitores, Outono 2015.

Terminei a leitura deste número da revista LER, uma edição muito simpática e interessante. Os artigos de que mais gostei foram a entrevista que Francisco José Viegas, o Diretor, fez a Pedro Mexia:

«Houve um momento em que achei que a ideia poética do mundo era objetivamente falsa. E, portanto, desinteressei-me.
Quatro anos depois da publicação da sua «poesia escondida», Pedro Mexia regressa ao verso com Uma Vez Que Tudo se perdeu, a publicar este Outono na companhia de Biblioteca (Tinta-da-china), reunião de crónicas e críticas de livros. E não, não falámos de televisão.”

O texto de Hugo Pinto Santos, cujo tema foi dedicado a Camilo Castelo Branco:

Camilo, 125 anos depois da sua morte.
125 anos depois da sua morte (uma bala na cabeça), Camilo é cada vez menos lido. E, no entanto, a sua obra respira uma modernidade que surpreende leitores que só agora abrem as páginas dos seus livros. Como escreve Hélia Correia, «Byron resplandece, Camilo sofre. Sofre sinceramente e isso vê-se tanto nas queixas como no sarcasmo. É um pequeno português conservador, truculento, neurótico, agressivo. É um extraordinário português.”

E o poema do trimestre:

A FADIGA

Nada me prende à vida
e se vivo,
só vivo de fadiga e se forçado
sou a continuar a fadigar-me
como sucede agora, e me nutro
de desgostos veementes e absurdos
nestes climas atrozes, a existência
receio abreviar

Outrora está tão perto que está longe:
que diferença fazem as idades, que muralha
as separa?
nada posso dizer: o que perdi
esqueci porque as palavras
não formam já o mundo nem o mundo
forma já as palavras;
para poder beber destilo o mar”

Gastão Cruz
[Óxido, Assírio & Alvim, 2015]


Recomendo assim, a leitura da edição de Outono da LER… 



sábado, 17 de outubro de 2015

José Carlos Vasconcelos in Editorial, JL nº 1175 de 2015-10-14.

“O ensino da literatura portuguesa no Brasil

(…) no Brasil começou-se já a assinalar e “comemorar”os cem anos de Cleonice Berardinelli. Essa excepcional figura de professora, mulher de cultura, especialista de literatura portuguesa, em particular Camões e Fernando Pessoa, símbolo de brasileira lusófila a que o nosso país tanto deve, só atinge o centenário a 16 de Agosto do próximo ano. Mas assim o quiseram, muito bem, os seus inúmeros amigos, admiradores e discípulos (só na Academia Brasileira de Letras tem cinco ex-alunos). Desta forma, há todo um ano para sublinhar as várias vertentes da importância da sua obra e do seu exemplo.  
(…) Agora podem deixar de ter, e decerto terão, expressão em Portugal. Agora quero apenas destacar como ela contribuiu como ninguém para o ensino da, e o interesse pela, literatura portuguesa no Brasil, para a formação de tantos e tantos dos seus professores, que já formaram outros professores, a estes formaram outros ainda… Aliás, a prof.ª Cleonice continua a dar “aulas” de vária espécie e até não há muito algumas mesmo “formais”, dentro ou fora da Universidade…
Vem isto a propósito da homenagem que se consubstancia, como ali é noticiado, em ser-lhe dedicado o congresso da Cátedra Jorge de Sena, com o título “Há 100 anos Orpheu canta para Cleonice”. Ora, não me recordo de ver em Portugal nenhum congresso, ou similar, mormente em qualquer universidade, em que tantos escritores portugueses e suas obras tenham sido objeto de intervenções – de estudo, análise, debate. O que vai ser esse congresso é impressionante e mostra a amplitude, a pujança, com que a literatura portuguesa continua, apesar de tudo, a ser ensinada no Brasil, sobretudo em universidades de todo esse imenso país/continente.
Tentando não falhar nenhum, vejamos então sobre que autores portugueses há intervenções específicas, várias sobre eles alguns deles, em especial Eça e Pessoa. Seguindo a ordem das várias mesas, e das comunicações que as integram, temos: Luís de Camões, Fernando Pessoa, Almeida Garrett, Eça de Queirós, Jaime Batalha Reis, Camilo Castelo Branco, Bernadim Ribeiro, Gil Vicente, Fernão Lopes, Manuel Alegre, Gastão Cruz, Sophia de Mello Breyner, Carlos Oliveira, Jorge de Sena, Ruy Belo, Herberto Hélder, Fernando Namora, José Cardoso Pires, António Lobo Antunes, Virgílio Ferreira, David Mourão-Ferreira, Mário Cláudio, António (“o excluído de Orpheu”), Almada Negreiros, Almeida Faria, José Saramago, Helder Macedo, Gonçalo M. Tavares, Cesário Verde, Camilo Pessanha, Raul Brandão, António Nobre, Agustina Bessa-Luís, Maria Gabriela Llansol, Mário de Sá-Carneiro, André Falcão de Resende, Isto, claro, fora muitos outros escritores a propósito destes, ou em intervenções de caráter geral, naturalmente referidos. Será preciso acrescentar alguma coisa? ... “


José Carlos Vasconcelos in Editorial, JL nº 1175 de 2015-10-14.

Ainda a propósito do Prémio Nobel da Literatura de 2015, uma opinião muito interessante...

“Prémio Nobel de Literatura. Não conheço a obra de Svetlana Alexièvich. Mas pelo que sobre ela tenho lido, não oferece dúvida que é uma obra essencial e profundamente jornalística, que nos dá a dramática realidade sobre o que escreve através de múltiplos testemunhos, vozes, de gente concreta, identificada - com a qualidade de escrita e de construção narrativa que o melhor jornalismo exige, mas sem a (re) criação ficcional que carateriza a literatura em sentido “estrito” (e estreito?). Assim sendo, e sem prejuízo do que o jornalismo representa na obra de um Nobel como Gabriel Garcia Márquez, poder-se-á porventura dizer que este prémio é uma espécie de “consagração”, ao mais alto nível, da tese segundo a qual o grande jornalismo é também, é sempre, literatura.”