terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

in Introdução, Ilíada, de Homero, Cotovia, 2013.

"Ler a Ilíada é reclamarmos o lugar que por herança nos cabe no processo de transmissão da cultura ocidental: cada novo leitor acrescenta mais uma etapa, ele mesmo um novo elo."


Livro: Ilíada, de Homero, tradução de Frederico Lourenço, Bolso Cotovia Clássicos, 3ª edição/out14.

 (…) 

 

“Não te zangues comigo, ó Pátroclo, se é que me consegues ouvir

na mansão de Hades, por eu ter restituído o divino Heitor

ao pai amado, visto que não foi vergonhoso o resgate que me deu.

A ti eu darei destas coisas aquilo que te é devido.”

 

Assim falou; e de novo para a tenda foi o divino Aquiles

e sentou-se no trono embutido, de que há pouco se levantara.

Junto à outra parede e este discurso dirigiu a Príamo:

 

“O teu filho te foi restituído, ó ancião, como pediste,

e jaz num esquife. Ao nascer da aurora o poderás

comtemplar e levar. Mas agora pensemos na refeição.

Nem Niobe de belas tranças descurou a comida,

apesar de doze filhos lhe terem morrido no palácio:

seis filhas e seis filhos vigorosos.”

 

(…)

 

Há muito que os meus filhos me desafiavam para a leitura do “primeiro livro da literatura europeia”.

Desde que frequentaram a cadeira de Estudos Clássicos na FLUL e conhecendo o meu gosto pela leitura não descansaram enquanto não “peguei” no longo poema homérico.

Sempre que me esquecia por qual deles (a Ilíada ou a Odisseia) deveria iniciar a minha viagem pela antiguidade clássica, eles respondiam: pela Ilíada, mãe.

(…)

Podemos dizer que no século VII antes de Cristo, no fim de uma longa tradição épica oral, surge este canto de sangue e lágrimas, em que os próprios deuses são feridos e os cavalos do maior herói choram. Um canto no qual «luz e morte coincidem hora a hora» (Luiza Neto Jorge)

(…)

O título Ilíada remete imediatamente para “Ílio” ou “Ílion” (Tróia).

Embora tivesse sido possível, num poema com 16.000 versos, narrar toda a guerra de Tróia, Homero opta na realidade por isolar um período de pouco mais de cinquenta dias, já na fase final das hostilidades, do qual nos descreve, em termos de ação efectivamente narrada, 14 dias. Período esse, todavia, tão pregnante de significado que lhe possibilita o espantoso feito artístico de concentrar artisticamente uma guerra de dez anos em duas semanas.”

(…)

A Ilíada começa com a cólera de Aquiles; mas é com o funeral de Heitor que termina.”

(…) 

É uma leitura espantosa, plena de significado, comovente, perturbadora e desconcertante, recomendo-a vivamente.

PS: vou reler a Introdução, é importante.