domingo, 25 de março de 2018

Decorridos 44 anos, será que os poetas ainda nos vêem assim?

“A vida exige de ti ainda mais escuro
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar?»

Manuel António Pina, Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo Calma É apenas Um Pouco Tarde (1974), incerto na badana da LER Inverno 2017/2018.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Livro: Húmus, Raul Brandão, Relógio D'Água, 2015.

Ontem à noite terminei a leitura de Húmus, de Raul Brandão.
Bastaria referir que se trata de uma edição de Maria João Reynaud, integrada na Coleção «Obras Clássicas da Literatura Portuguesa Séc. XX” e que 

“Ler Raul Brandão hoje implica não só o confronto com problemas teóricos que a sua obra levanta, mas também a necessidade de os avaliar em função do efeito disruptivo que ela produziu.
Sem deixar de espelhar criticamente o seu tempo, a escrita de Brandão surge hoje aos nossos olhos como uma extensa, profunda e dilacerada meditação sobre o homem em face da finitude.»

Todavia gostava de expressar por palavras minhas o que senti enquanto lia a obra: um sobressalto constante, uma desinquietação permanente, o sentir-me escavada, deixando-me à mingua de esperança, só espanto, só pele e osso.
Através do preâmbulo de Maria João Reynaud pude ficar a saber que Húmus, marcou importantes escritores ao longo de décadas: José Régio, Vergílio Ferreira, David Mourão-Ferreira, José Saramago e Herberto Hélder.

«A nossa época é horrível porque já não cremos – e não cremos ainda. O passado desapareceu, de futuro nem alicerces existem. E aqui estamos nós tem tecto, entre ruínas, à espera...»
Raul Brandão, Prefácio a Memórias, vol. 1 1919.

Esta obra carece de uma releitura da minha parte, mesmo auto-intitulando-me uma mera fruidora de literatura, há obras que nos abanam interiormente, nos questionam e tudo põem em causa.
É por isso que recomendo vivamente a leitura de Húmus, de Raul Brandão, deixem-se espantar…



quarta-feira, 21 de março de 2018

Porque hoje cantam-se os poetas,

“Eu cantarei um dia

Eu cantarei um dia da tristeza
Por uns termos tão ternos e saudosos,
Que deixem aos alegres invejosos
De chorarem o mal, que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
Exalando suspiros tão queixosos,
Que jamais os rochedos cavernosos
Os repitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
Ave, fonte, montanha, flor, corrente,
Comigo hão-de chorara de amor, corrente,
Comigo hão-de chorar de amor enredos:

Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
Que eu derramo os meus ais inutilmente.”

Maria Teresa Horta
in “As Luzes de Leonor”, D. Quixote, 2011, pág. 245.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Livro: O Delfim, José Cardoso Pires, Relógio D’Água, 2015.

Terminei esta leitura no último dia de fevereiro. O prefácio desta edição é de Gonçalo M. Tavares. Do que conheço do autor, sei que foi amigo, grande amigo de António Lobo Antunes. Três grandes nomes das nossas Letras.
Demorei algumas páginas a entrar na narrativa, até compreender o estilo de escrita de José Cardoso Pires. Depois, devagarinho, pude começar a desfrutar, a viver, a aprender como se consegue pôr no papel, vivências, emoções, o quotidiano de personagens iguais a todas nós.
Um enredo onde se misturam personagens e locais: o narrador enquanto escritor, memórias recentes (com um ano), a aldeia, os habitantes da aldeia, os amigos, a casa, a pensão, o largo da aldeia, a lagoa, em que tudo gira à volta, a época de caça (o motivo que garante o regresso do escritor à aldeia) e um crime.
Achei interessante a leitura de O Delfim, mas, devo regressar ao escritor para o compreender melhor, entretanto, recomendo-vos uma visita…