sábado, 15 de agosto de 2015

Livro: O Feitiço da Índia, Miguel Real, D. Quixote, 2012.

Conheço o Miguel Real através das críticas literárias que elabora para o Jornal de Letras, também já tive o prazer de o ouvir no Festival Literário da Madeira, na edição de 2014.
Esta incursão pela sua escrita ficcional levou-me até à Índia, mais especificamente até Goa, conhecida como «a Roma do Oriente», pelo seu elevado número de igrejas.
Este é um romance histórico, mas não inteiramente, é estranho e é complexo.
O Feitiço da Índia conta a história de três homens, alegadamente, a história do primeiro português a pisar solo indiano (no tempo das Descobertas), depois, um segundo personagem que nos anos sessenta viaja até Goa, à procura de uma vida melhor, mas, que acabando por esquecer a família que deixara em Lisboa, em Goa constitui nova família e por lá morre. Finalmente, um terceiro homem, que nem por acaso é o narrador de toda esta história e filho do segundo personagem, após a morte de sua mãe, que toda a sua vida esperara pelo marido, parte em busca dele, durante o politicamente quente ano de 1975.
«Através da experiência destas três personagens inesquecíveis – e com a ironia e a qualidade a que Miguel Real nos habituou -, Miguel Real oferece-nos o retrato fascinante de Goa e da costa do Malabar, na Índia, em três épocas marcantes da sua história
Da escrita de Miguel Real, gostei de uma forma intermitente. Possui passagens muito boas, mas outras nem tanto.

Termino recomendando a leitura deste romance, para que de moto próprio tirarem as vossas conclusões.


terça-feira, 4 de agosto de 2015

Hélia Correia in Prelúdio à morte da fala, JL nº 1169 de 2015-07-22

“No meu diário de hoje escrevo assim: Ao instinto territorial, sempre presente no animal que somos, eles contrapuseram a noção da hospitalidade. Já na Ilíada lemos uma cena grandiosa sobre dois inimigos em combate que, ao reconhecem-se como hóspede e como anfitrião, depõe as armas e as trocam depois como presentes:

“…troquemos, pois, as armas, a fim
de que estes saibam
que nos sentimos honrados com a
hospitalidade dos nossos maiores.
*
Depois de assim falarem, saltaram
dos seus cavalos,
apertaram as mãos e juraram lealdade” (Canto VI, 230-233)

Depois transcrevo esta passagem de Hesíodo

“…É essa a lei que o Crónida
Prescreveu aos homens:
que os peixes, os animais selvagens e
os pássaros alados
se devorem uns aos outros, pois
entre eles não há Justiça: mas aos homens deu ele a Justiça,
em muito o maior
dos bens…” (Trabalhos e Dias, 275-280)

Devo anotar que estes poemas contam 2800 anos.

Três séculos depois, as palavras de Péricles:

“O regime político que nós seguimos não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os outros de que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto de a direção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei; quanto à consideração social, à medida em que cada um é conceituado, não se lhe dá preferência nas honras públicas pela sua classe, mas pelo seu mérito; nem tão-pouco o afastam pela sua pobreza, devido à obscuridade da sua categoria, se for capaz de fazer algum bem à cidade.
(…) Amamos o belo com simplicidade e prezamos a cultura sem moleza (…) E somos os únicos que ajudamos alguém, não tanto com a mira nas vantagens, como com a confiança própria de homens livres”. (Tucídides, Livro II)

Assim falavam. E assim falou Demóstenes no século seguinte, quando invasores por um lado, traidores e intriguistas pelo outro, se uniam para escravizar a Grécia:

“Mas não, não é possível que tenhais cometido um erro, Atenienses, ao tomar sobre vós o risco de lutar pela liberdade e a salvação comum”. (Oração da Coroa, 208) ”


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Valter Hugo Mãe in Livros, JL nº 1169 de 2015-07-22

“Não tenho condições financeiras para gostar tanto de livros. Preciso de tratamento para o impulso de comprar mais, ler, querer ler, esperar por ler, reter ideias, reter a beleza das expressões, apreciar o complexo das capas, a beleza das capas, pensar em cores. A minha casa não sabe ter mais livros, por mais que a treine para a elasticidade, por mais que lhe explique acerca dos amores absolutos., as dependências, as carências. A minha casa acha que estou maluco e talvez prefira expulsar-me um destes dias.”


domingo, 2 de agosto de 2015

Guilherme D’Oliveira Martins in Sophia, Maria de Jesus e Alberto, JL nº 1169 de 2015-07-22

“Em «Carta aos Amigos Mortos», Sophia disse-nos tudo o que pode ser dito neste momento. Não só lembra quantos nos deixaram, mas também compreende a força libertadora da poesia.

“Eis que morreste - agora já não bate
O vosso coração cujo bater
Dava ritmo e esperança a meu viver
Agora estais perdidos para mim
- O olhar não atravessa esta distância –
Nem irei procurar-vos pois não sou
Orpheu tendo escolhido para mim
Estar presente onde estou viva
Eu vos desejo a paz nesse caminho
Fora do mundo que respiro e vejo…”
(livro sexto, 1962)

Quando nos deixa alguém próximo, como agora aconteceu, não há palavras. Mas tudo estava dito, quando ouvimos:

“E eu vos peço por este amor cortado
Que vos lembrai de mim lá onde o amor
Já não pode morrer nem ser quebrado
Que o vosso coração já não bate
O tempo denso de sangue e saudade
Mas vive a perfeição da claridade
Se compadeça de mim e do meu pranto
Se compadeça de mim e do meu canto”

A escolha foi premonitória. Esse diálogo com Sophia significa o encontro do espírito, da lembrança e da liberdade.”