sábado, 30 de abril de 2016

Eugénio Lisboa in Pro Memória, Sá-Carneiro visto por Régio, O oiro e a neve, JL nº 1189 de 2016-04-27.

“É próprio de todos os grandes escritores admirarem alguns dos seus pares e amarem outros: admirar não é o mesmo que amar. Pessoa admirava Milton e amava Dickens. Flaubert admirava Zola, mas amava Hugo. Régio admirava Eça e Pessoa, mas amava Camilo e Sá-Carneiro. Há aqueles com quem sentimos afinidades e aqueles em quem admiramos qualidades que não temos nem nos interessa particularmente ter.
Régio admirou, estudou e ajudou a promover os argonautas do chamado “primeiro modernismo” (Sá-Carneiro, Pessoa e Almada), mas não se reviu em todos, por igual. Consultando os textos – atividade exótica mas indispensável – torna-se óbvio que preferiu Sá-Carneiro a Pessoa – no primeiro, reconhecia verdadeiro génio, no segundo, via apenas elevadíssimo talento.”
 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Mário de Sá-Carneiro in Tema: Centenário da morte de Mario de Sá-Carneiro, JL nº 1189 de 2016-04-27.

“A um suicida

á memória de Tomás Cabreira Junior
...
Tu crias em ti mesmo e eras corajoso,
Tu tinhas ideaes e tinhas confiança.
Oh! Quantas vezes eu, desesp’rançoso,
Não invejei a tua esp’rança!

Dizia para mim: - Aquêle ha de vencer,
Aquêle ha de colar a boca sequiosa
Nuns lábios cor de rosa
Que eu nunca beijarei, que me farão morrer…

A nossa amante era a Glória
Que para ti – era a victória,
E para mim – asas partidas.
Tinhas esp’ranças, ambições…
As minhas pobres ilusões,
Essas estavam já perdidas…

Imersa no azul dos campos sideraes
Sorria para ti a grande encantadora,
A grande caprichosa, a grande amante loura
Em que tínhamos posto os nossos ideaes.

Robusto caminheiro e forte lutador,
Havias de chegar ao fim da longa estrada
De corpo avigorado e de alma avigorada
Pelo triunfo e pelo amor.

Amor! Quem tem vinte anos
Há de por força amar.
Na idade dos enganos
Quem se não há de enganar?

Enquanto tu vencerias
Na luta heróica da vida
E, sereno, esperarias
Aquela segunda vida
Dos bem fadados da Glória,
Dos eternos vencedores
Que revivem na memória
Sem triunfos, sem amores,
Eu teria adormecido
Espojado no caminho,
Preguiçoso, entorpecido,
Cheio de raiva, daninho
.
..

Recordo com saudade as horas que passava
Quando ia a tua casa e tu, muito animado,
Me lias um trabalho há pouco terminado,
Na sàlazinha verde em que tão bem se estava.

Diziamos ali sinceramente
As nossas ambições, os nossos ideaes:
Um livro impresso, um drama em scena,
O nome nos jornaes…
Diziamos tudo isto, amigo, seriamente…
Ao pé de ti, voltava-me a coragem:
Queria a Glória… Ia partir!
Ia lançar-me na voragem!
Ia vencer ou sucumbir!...

………………………..

Ai! Mas um dia tu, o grande corajoso,
Também desfaleceste.
Não te espojaste, não. Tu eras mais brioso:
Tu, morreste.

Foste vencido? Não sei.
Morrer não é ser vencido,
Nem é tão pouco vencer.

Eu por mim, continuei
Espojado, adormecido,
A existir sem viver.

Foi triste, muito triste, amigo, a tua sorte –
Mais triste do que a minha e mal-aventurada
… Mas tu inda alcançaste alguma coisa:
a morte,
E há tantos como eu que não alcançam nada…


30 set. e 1 out. 1911 – Lisboa.”



sexta-feira, 22 de abril de 2016

Kenneth Grahame in O Vento nos Salgueiros, Tinta-da-China.

-Ah, que visão gloriosa e emocionante! – entoou o Sapo, sem sair do mesmo sítio. A poesia do movimento! A autentica forma de viajar! Hoje aqui, amanhã muito longe! Aldeias que se esfumam, vidas e cidades que ficam para trás, e todos os dias um novo horizonte!



terça-feira, 19 de abril de 2016

João Pires da Cruz, físico, in Observador.

E esta, heim? Ou então, será?

“Como o Estado tem agora uma base de dados completa com os consumos nas farmácias, pode projetar de forma bem precisa as pensões que vai pagar nos tempos que se seguem ao período de declaração do IRS porque pode prever, com um algoritmo relativamente básico, quem é que está prestes a bater a bota. Mais, como tem as faturas do resto, pode correlacionar facilmente com o consumo de carne, batatas fritas, fast food, vinho, etc. A gestão da coisa pública pode tornar-se perfeitamente eficaz.”

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Luiz Santos-Roza in Uma Nova Descoberta da América, revista Ler, Primavera 2016.

Achei muito interessante este texto, tomei várias notas, do qual partilho o parágrafo final:

“Há 500 anos atrás, Pedro Alvares Cabral, ao deparar com o Brasil, teve um papel na descoberta das Américas. Hoje em dia há outra América por nós desconhecida que vale a pena descobrir; é uma de livros e cultura; as suas riquezas são muitas; divertem-nos comovem-nos, ensinam-nos sobre o homem, desafiam-nos intelectualmente. Gostaria que os livros dela viessem para cá, não como escravos num porão para trabalharem para nós, mas como o humanista Cataldo Sículo que D. João II chamou ao reino para educar o filho – para nos abrir a mente a novas mundividências e inspirar possibilidades. Descobrir esta ignorada, marginal literatura americana seria uma aventura bastante benigna, deleitável e até proveitosa. Estão todos convidados a embarcar nela.”