quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Mulheres da História na Poesia de Wislawa Szyborska – desconstrução de protótipos, por Teresa Fernandes Swiatkiewicz, Letras Convida nº 7 (2014-2016), INCM.

Um minuto de silêncio por Ludwica Wawrzynska

E tu aonde vais?
Se ali já só há fumo e fogo!
- Ficaram lá quatro crianças,
vou buscá-las!

Como é possível
assim de repente
desprender-se de si próprio?
Da ordem do dia e da noite?
Das neves do ano que vem?
Dos rubores das maçãs?
Da mágoa do amor
que nunca é demais?

Sem se despedir, nem ser despedida
sozinha acorrer acode as crianças,
olhem só, trá-las em braços,
mergulhando no fogo até aos joelhos,
louvando o fulgor no cabelo revolto,

Ela, que queria comprar um bilhete,
sair da cidade por um tempo,
escrever uma carta,
abrir a janela após a trovoada,
trilhar o caminho aberto no bosque,
espantar-se com as formigas,
ver como o lago se enruga
com o sopro do vento.

Um minuto de silêncio pelos mortos
perdura às vezes pela noite fora.
Sou testemunha ocular
do voou das nuvens e dos pássaros,
ouço a relva crescer
e sei como ela se chama,
decifrei milhões
de caracteres impressos,
segui com o telescópio
estrelas bizarras,
só que até hoje
ninguém me pediu socorro
e se acaso lamento
uma folha, um vestido, um poema –

De nós próprios só sabemos,
o que nos foi posto à prova.
É isto que vos digo
deste meu coração que desconheço.

Wislawa Szymborska


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Rainer Maria Rilke in Elegias de Duíno, Os Sonetos a Orfeu, tradução de Vasco Graça Moura, Bertrand, 2007.

“A Segunda Elegia

Todo o anjo é terrível. E todavia, ai de mim,
a vós cantei, ó aves quase mortais da alma,
sabendo como sois. Onde param os dias de Tobias,
quando lá estava um dos mais radiosos, à porta simples da casa,
meio disfarçado para a viagem e já não mais aterrador;
(jovem para o jovem, ao mirar curioso para fora).
Desse o arcanjo agora, o perigoso, de detrás das estrelas,
um só passo a descer delas para cá: de tão forte sobressalto
se nos destruiria o próprio coração. Quem sois vós?

Cedo afortunados, vós, acarinhados da criação,
linhas de altura, cumes da manhã
de todo o começo, - pólen da divindade em flor,
charneiras da luz, passagens, escadas, tronos,
espaços feitos de ser, escudos da glória, tumultos
do sentimento arrebatado em tempestade e de repente, avulsos,
espelhos, os que a própria beleza irradiada
voltam a haurir na própria face.

[…]”


domingo, 21 de agosto de 2016

Livro: O Mar em Casablanca, Francisco José Viegas, Porto Editora, 2010.


O objetivo inicial era terminar a leitura deste romance policial hoje de manhã, sentada de frente para o Atlântico, na praia Formosa no Funchal, o mesmo oceano que banha a cidade de Casablanca e o mesmo oceano que banha o Porto, cidade central na trama dos policiais de Francisco José Viegas, em que o personagem principal, o inspector Jaime Ramos, vive e trabalha.
Para além do rio Douro, onde nas suas margens se deu um dos dois homicídios, o outro ocorreu mais a Sul, nas termas de Vimioso.
Porém, distrai-me - as águas estavam divinais e transparentes -, e vim a terminá-lo já em casa durante a tarde…
A história, o enredo, leva-nos até à América Central e do Sul e principalmente a Luanda, percorrendo a história contemporânea de Portugal, a guerra colonial, o 25 de Abril, a descolonização, oferecendo-nos uma perspectiva da vida de certos portugueses, sempre em busca de uma vida melhor, a par de fugirem de si próprios.
Um enredo político, uma visão dos segredos ligados ao comunismo, à clandestinidade.
Gosto das histórias e da forma de escrever deste escritor, páginas que parecem argumentos cinematográficos, muito descritivos e sentidos. Gosto também do inspector Jaime Ramos, das suas amarguras, dúvidas e fraquezas, muito humano.
Recomendo a leitura de O Mar em Casablanca, deixando-vos ir ao sabor das ondas do nosso oceano…


quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A Alfândega do Funchal.

Olá, boa tarde meus amigos.
Ainda a propósito dos incêndios na Ilha da Madeira e da circunstância da Alfândega do Funchal ter sido das poucas instituições públicas a funcionar durante o dia de ontem, gostava de referir o seguinte:
Para a esmagadora maioria das pessoas, a alfândega são aqueles homens e mulheres que trajam de azul e branco, que se encontram à saída da sala de bagagem nos aeroportos, que após uma cansativa viagem e uma interminável espera pelas nossas malas, nos impedem de ir ao encontro de familiares e amigos que nos aguardam impacientes, ainda nos querem revistar e revirar os nossos preciosos pertences.
Pois bem, tenho uma surpresa para quase todos vós: a alfãndega é muito mais do que um empecilho, mas essa é outra história...
O que aqui venho dizer é que nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, para além de todas as atribuições que nos estão acometidas idênticas ás das restantes alfândegas continentais, foi-nos atribuida uma tarefa adicional, uma tarefa fundamental para o normal funcionamento das economias regionais e que é o controlo na entrada de mercadorias pereciveis, mas não só, bens de primeiríssima necessidade e que se destinam ao consumo da população residente e turistica, como por exemplo: carne, manteiga, queijo, arroz, azeite, óleo, forragens, etc, etc. Todas estas mercadorias são sugestíveis de receber ajudas no âmbito do regime POSEIMA, um programa específico comunitário de apoio ao abastecimento das regiões ultraperiféricas. Ora, este é o motivo primeiro pelo qual a alfândega não pode encerrar portas, só mesmo em caso de não conseguimos aceder ao nosso edifício.
Sendo certo que durante o dia de ontem não estavamos todos ao serviço, em virtude de alguns colegas se encontrarem a defender as suas casas do fogo, os que se encontravam em condições de assegurar o seu posto de trabalho e o daqueles que não o puderam fazer, disseram presente!
Sinto uma enorme responsabilidade e um imenso orgulho em ser aduaneira! Um por todos e todos por um!

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Livro: Morte em Pemberley, P. D. James, Porto Editora, 2013.

Ontem à noite terminei a leitura deste romance policial. Fechados em casa, por causa das cinzas resultantes dos incêndios que tragicamente assolavam e que continuam a fustigar a Ilha, cinzas que teimavam e que continuam a teimar em querer entrar sem pedir licença, entreguei-me à leitura, depois de ter passado o final da tarde a estudar direito aduaneiro.
É na leitura e no estudo, que me refugio da insanidade que grassa e da tristeza que não deixo que me impregne.
Um bom romance policial não se lê, devora-se, não nos deixa pensar em maisnada. Assim aconteceu com este delicioso policial de P. D. James, uma exímia autora, uma “grande senhora do crime nas terras de Sua Majestade…”.
Este romance policial é uma mistura de Downton Abbey com Midsomer Murders, pelo ambiente aristocrático, pelas tradições, pela época, pela sociedade que pretende representar, e claro, pelos segredos, pelas inconveniências, pelos crimes que se cometem.
Para quem já tenha lido o romance Orgulho e Preconceito de Jane Austen, vai achar no mínimo curioso, que os personagens principais desse grande romance, sejam também as personagens deste tão bem conseguido policial.

Em Morte de Pemberley P. D. James combina as suas maiores paixões: a literatura policial e a obra de Jane Austen. O romance é uma clara homenagem à grande autora novecentista, mas faz justiça também às melhores histórias de assassinato, seguindo a tradição dos grandes romances de mistério sobre a aristocracia inglesa.”

É pois um romance policial muito interessante, com bom ritmo e muito bem escrito, recomendo vivamente a sua leitura…