quinta-feira, 31 de março de 2016
Dulce Maria Cardoso in Tudo São Histórias de Amor, Tinta-da-China.
terça-feira, 29 de março de 2016
Virginia Woolf in II – O Tempo Passa, Rumo ao Farol, Relógio D’Água, 2008.
“A
casa estava abandonada; a casa estava deserta. Era como uma concha na duna a
encher-se de grãos de sal ressequido, agora que a vida a deixara. Dir-se-ia
estabelecida a longa noite; e as frívolas correntes de ar mordendo, os
pegajosos golpes de vento tacteando, dir-se-ia haverem triunfado. Cobrira-se de
ferrugem a frigideira, a esteira corrompera-se. Os sapos tinham penetrado na casa.
Negligentemente, sem objetivo, o xaile baloiçante oscilava de lado para lado.
Um cardo introduzira-se por entre os azulejos da despensa. As andorinhas faziam
ninho na sala de estar: o chão estava juncado de palha; o estuque caía às
pazadas; as vigas estavam à vista; as ratazanas acarretavam isto e aquilo, para
roer por detrás do forro das paredes. As borboletas rompiam as crisálidas, fervilhavam
de vida contra as vidraças. As papoilas implantavam-se por entre as dálias; o
relvado acenava na sua longa relva; alcachofras gigantes alteavam-se pelo meio
das rosas; um cravo frisado florescia entre as couves; enquanto o suave bater
de uma erva daninha se convertera, nas noites de Inverno, no tamborilar das
árvores robustas e das sarças de espinhos que, no Verão, tornavam o quarto
completamente verde.”
segunda-feira, 28 de março de 2016
Maria Teresa Horta in A Dama e o Unicórnio, D. Quixote, 2013.
Senti saudades da Dama e do Unicórnio...
NINFA
NINFA
Vê
a ninfa
sair
do bosque
*
Identidade
intacta
como
tem a rosa
*
O
ruído e as palavras
tropeçam-lhe
na língua
*
E
no seu corpo desliza
o
insaciável desejo
quarta-feira, 23 de março de 2016
Agustina Bessa-Luís in Contemplação Carinhosa da Angústia, Guimaraes Editores.
“Francamente
– porque acham que eu escrevo? Para incomodar o maior número de pessoas com o
máximo de inteligência. Por narcisismo, que é um facto civilizador. Para ganhar
a vida e figurar no Larousse com o mesmo realismo utópico aplicado a Madameb de
Pompadour. Que, sendo pequenina e abonecada, ali se apresenta como “grande,
bien-faite”. A fama de uma pessoa confunde o juízo, como o amor fabuloso e o
erotismo pedante. Escrevo para desiludir com mérito, que é a maneira de se
fazer lembrar com virtude.”
segunda-feira, 21 de março de 2016
Maria Teresa Horta in As Luzes de Leonor, D. Quixote, 2011, pág. 245.
Eu cantarei um
dia
*
Eu cantarei um
dia da tristeza
Por uns termos
tão ternos e saudosos,
Que deixem aos
alegres invejosos
De chorarem o
mal, que lhes não pesa.
*
Abrandarei das
penhas a dureza,
Exalando
suspiros tão queixosos,
Que jamais os
rochedos cavernosos
Os repitam da
mesma natureza.
*
Serras,
penhascos, troncos, arvoredos,
Ave, fonte,
montanha, flor, corrente,
Comigo hão-de
chorar de amor enredos:
*
Mas há! Que
adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os
teus pérfidos segredos,
Que eu derramo
os meus ais inutilmente.
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