sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Maria Teresa Horta in A Espia, Meninas, D. Quixote, 2014.


“A menina empurra de manso com a ponta dos dedos a porta do quarto dos pais e, pela frincha que deixa estreita, dirige os olhos relutantes até à cama, colcha de cetim cor de cravo rosado que os corpos entrançados enrodilham, nó de nudez e de gemidos e gritos mordidos como sempre, as ancas direitas do pai envolvendo a lonjura das pernas altas da mãe, que se entrega enquanto inclina para trás a cabeça, linha intacta e pura das costas por onde desce a correnteza loura dos cabelos, indo enroscar-se na tepidez da luz coada pelo tom de marfim das cortinas de renda. Caracóis molhados pelo suor que lhe perla a garganta frágil, caule de lírio alvo de onde parte aquela espécie de uivo mordido, espécie de rugido selvagem de quem se descobre a si mesma entretecida e dúbia, lâmina da qual sente o gume sem entender o motivo, intuindo mais do que sabendo o desvario e a vertigem.
De súbito aturdida, a menina amedronta-se, (…)”





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