Iniciei o ano
terminando a leitura da obra Livro do
Desassossego, de autoria do «semi-heterónimo» ou «personalidade literária»,
Bernardo Soares, como o caracteriza no prefácio da mesma, Jacinto do Prado
Coelho.
Não se trata de um
romance, nem de um ensaio, nem sequer de um livro de poemas, trata-se sim, de
uma compilação de textos recolhidos e transcritos por duas especialistas
pessoanas: Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha e por um feliz acaso
possuo a 1ª edição.
Quando frequentei o
ensino secundário, não cheguei a estudar Fernando Pessoa. O que conheço da sua
obra decorre do acompanhamento que procurei fazer durante a frequência do
ensino secundário pelos meus filhos e ainda através do que vou lendo, aqui e
ali, de artigos e de textos sobre Fernando Pessoa e os seus heterónimos.
Não me considerando
nem de perto nem de longe, uma conhecedora da obra de Fernando Pessoa, vi na
leitura deste livro, um desafio, uma tentativa de descobrir um escritor enigmático,
de muito exigente leitura.
Há dias quando lia o
JL, deparei-me com uma citação de Roland Barthes: “O escritor é alguém que
combina citações eliminando as aspas”, quando li esta citação lembrei-me logo
do Livro do Desassossego, cada frase deste livro, podia bem ser uma citação,
tão perfeitas e completas me parecem elas.
Como refere Jacinto do
Prado Coelho no seu prefácio:
«… Bernardo Soares se distingue de Fernando
Pessoa por determinadas predilecções de leitor. Caracteriza-se por, escrevendo,
eleger às vezes como tema o acto de escrever. Singulariza-se, acima de tudo,
por nos transmitir as vivências de Pessoa/Soares no seu quotidiano lisboeta, no
escritório do patrão Vasques, no restaurante, no café, no barbeiro, nas ruas
por onde deambula, no modesto quarto de mobília barata onde lê, folheia a
Orpheu, escreve, devaneia, sofre insónias e, se dorme, volta a acordar, com
infinito desalento, para o início de mais um dia pesado e inútil. Dividido
entre o real absurdo e o reino subjectivo, o prosador ajudante de guarda-livros
sofre, desassossegado, nos nervos e no espírito, os efeitos do meio ambiente, o
calor, a chuva, as trovoadas, o difícil contacto com os outros.»
O Livro do Desassossego, desafia-nos,
questiona-nos, interpela-nos, exige-nos tudo, mas merece todo o nosso tempo, a
nossa atenção e sobretudo merece ser estudado, lido e relido…
“O cansaço de todas
as ilusões e de tudo o que há nas ilusões – a perda d’ellas, a inutilidade de
as ter, o antecansaço de ter que as ter para perde-las, a mágoa de as ter tido,
a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.”
A terminar, só posso
recomendar que se aventurem na leitura do Livro
do Desassossego.
Sem comentários:
Enviar um comentário