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(…) Em numerosas tradições mitológicas e lendárias, o incubo, como sabem,
nomeia o demónio que penetra as mulheres durante o sono, para manter com elas
uma relação sexual. Essa proximidade entre mulher e forças maléficas está,
aliás, no cerne do pecado original, no episódio bíblico da árvore da vida que,
aliás, também abre a brecha para o conhecimento, mercê justo de uma actividade de
marcadamente feminina: a desobediência.
(…)
No
soneto de Florbela Espanca intitulado «Renúncia», os índices sagrados e profanos
que rondam o feminino se expõem definitivamente de um lado, a prisão cultural,
de outro, a liberdade natural. De um lado a cruz, a tranquilidade, a cegueira, e
o sacrifício – o fiat Maria cristão.
De outro a Lua, Satanás, a Beleza – o erotismo: dois dos protótipos centrais da
mulher.
(…)
duas primeiras estrofes do soneto de Florbela, que, além de estabelecerem um
forte vinculo com o feminino manipulado por Maria Pawlikowvska-Jasnorzewska,
funcionam como os dois pólos do paradoxo a que me tenho referido todo o tempo:
aquele que define a condição da mulher.
A
minha mocidade outrora eu pus
No
tranquilo convento da Tristeza:
Lá
passa dias, noites, sempre presa,
Olhos
fechados, magras mãos em cruz…
Lá
fora, a Lua, Satanás, seduz!
Desdobra-se
em requintes de Beleza…
É
como um beijo ardente a Natureza…
A
minha cela é como um raio de luz…
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