sexta-feira, 29 de abril de 2016

Mário de Sá-Carneiro in Tema: Centenário da morte de Mario de Sá-Carneiro, JL nº 1189 de 2016-04-27.

“A um suicida

á memória de Tomás Cabreira Junior
...
Tu crias em ti mesmo e eras corajoso,
Tu tinhas ideaes e tinhas confiança.
Oh! Quantas vezes eu, desesp’rançoso,
Não invejei a tua esp’rança!

Dizia para mim: - Aquêle ha de vencer,
Aquêle ha de colar a boca sequiosa
Nuns lábios cor de rosa
Que eu nunca beijarei, que me farão morrer…

A nossa amante era a Glória
Que para ti – era a victória,
E para mim – asas partidas.
Tinhas esp’ranças, ambições…
As minhas pobres ilusões,
Essas estavam já perdidas…

Imersa no azul dos campos sideraes
Sorria para ti a grande encantadora,
A grande caprichosa, a grande amante loura
Em que tínhamos posto os nossos ideaes.

Robusto caminheiro e forte lutador,
Havias de chegar ao fim da longa estrada
De corpo avigorado e de alma avigorada
Pelo triunfo e pelo amor.

Amor! Quem tem vinte anos
Há de por força amar.
Na idade dos enganos
Quem se não há de enganar?

Enquanto tu vencerias
Na luta heróica da vida
E, sereno, esperarias
Aquela segunda vida
Dos bem fadados da Glória,
Dos eternos vencedores
Que revivem na memória
Sem triunfos, sem amores,
Eu teria adormecido
Espojado no caminho,
Preguiçoso, entorpecido,
Cheio de raiva, daninho
.
..

Recordo com saudade as horas que passava
Quando ia a tua casa e tu, muito animado,
Me lias um trabalho há pouco terminado,
Na sàlazinha verde em que tão bem se estava.

Diziamos ali sinceramente
As nossas ambições, os nossos ideaes:
Um livro impresso, um drama em scena,
O nome nos jornaes…
Diziamos tudo isto, amigo, seriamente…
Ao pé de ti, voltava-me a coragem:
Queria a Glória… Ia partir!
Ia lançar-me na voragem!
Ia vencer ou sucumbir!...

………………………..

Ai! Mas um dia tu, o grande corajoso,
Também desfaleceste.
Não te espojaste, não. Tu eras mais brioso:
Tu, morreste.

Foste vencido? Não sei.
Morrer não é ser vencido,
Nem é tão pouco vencer.

Eu por mim, continuei
Espojado, adormecido,
A existir sem viver.

Foi triste, muito triste, amigo, a tua sorte –
Mais triste do que a minha e mal-aventurada
… Mas tu inda alcançaste alguma coisa:
a morte,
E há tantos como eu que não alcançam nada…


30 set. e 1 out. 1911 – Lisboa.”



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