Ouvindo uma
canção, Há uma música do Povo, interpretada
pela Mariza, cuja letra é de Fernando Pessoa e música de Mário Pacheco, partilho
convosco, três reflexões que me marcaram na entrevista que Eduardo Lourenço deu
a Paulo Moura, in revista Ler nº 183,
Verão de 2015:
“A tragédia
individual atenua-se no destino coletivo, tal como a idade nos anestesia do
medo da morte. Enganamo-la, até que alguém que amamos desaparece, e percebemos
que essa eternidade nos é interdita. A Reforma e depois o fim da religião
deixaram-nos sozinhos e desesperados. Estamos na hora zero do mundo, tornámos
realidade a ficção científica, talvez não impunemente. Em que ponto estamos da
História humana? Como seria o mundo se a Europa voltasse a ter protagonismo? E nós,
portugueses, seria possível termos saído do império, sem sair? Como viveremos
álibis? Tal como os homens, também as nações têm uma infinita capacidade de
ilusão.”
“A Europa tem um
problema, desde que existe: não sabe lidar com o Outro, o não-europeu.
Aconteceu no tempo de Alexandre, e sobretudo quando surgiu outro fenómeno, que
conquistou uma dimensão planetária: o islão. Vivemos séculos lado a lado vivemos
séculos lado a lado sem que os víssemos, ou eles nos vissem a nós. O Império
Turco foi para a Europa, uma espécie de União Europeia, desde 1453. Agora toda
essa massa emerge, fruto da descolonização, numa espécie de sonambulismo histórico.
Como podemos imaginar a integração do islão, que representou durante séculos a
não-Europa, e não sabemos o que fazer com a Rússia? Como pode a Turquia entrar
na União Europeia e a pátria de Tolstói e de Dostoievski ficar de fora?”
“Com o fim do império, estamos no fim da nossa narrativa. Depois do 25 de Abril todas as
grandes manifestações, todos os acontecimentos importantes para nós, funcionam
como referência ao império perdido. É a Ponte Vasco da Gama, a Europália… O que
levámos? A gesta dos Descobrimentos. Não temos mais prata da casa para levar. A
narrativa está no fim, mas por enquanto o nosso lugar de fuga ideal ainda não é
esse momento. O nosso problema agora é que não temos álibi.”
“O nosso ensino
ainda é muito orientado para o literário. Sei que é um povo com grandes tendências
líricas, etc. Mas devíamos recuperar um pouco a energia que outros povos
puseram na descoberta e trabalho científicos, na organização. Porque vivemos num
mundo de competição feroz. Penso que será mais fácil recuperar uma
desertificação das Humanidades do que a outra, onde, se não se tem uma formação
sistemática, nunca mais se apanha o comboio.”
Eduardo Lourenço
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