domingo, 29 de dezembro de 2019
Livro: O Imperador de Portugal, Selma Lagerlof, Ulisseia, 2006.
Ainda antes do ano findar, conclui o meu plano de
leituras no feminino com o términos do meu primeiro romance de Selma Lagerlof
(1858-1940), já vos havia falado desta escritora nobelizada (a 1ª mulher a
receber um Prémio Nobel de Literatura, em 1909, nunca é demais referir),
Cristina Carvalho, escreveu uma biografia romanceada sobre a mesma, da qual aqui vos
dei conta.
Este romance que li de uma assentada (209 pág.),
foi uma descoberta da escrita de S. Lagerlof, através dela tive um vislumbre da
sociedade e do modo de viver dos suecos no princípio do séc. XX, afinal também
uma sociedade desigual, classista e confirmei ainda o preconceito que existia
em relação aos finlandeses, seus vizinhos.
O Imperador de Portugal é um
romance comovente sobre o amor de um pai pela sua filha, até onde chega esse
amor, nem sempre compreendido e retribuído.
Também verifiquei o amor que a autora sente pela
natureza, pelo campo, onde sempre preferiu viver, são as descrições das
paisagens, das florestas, das montanhas, do lago, dos seres mágicos que fazem
parte das tradições do povo sueco.
Sentia uma enorme curiosidade em compreender o
porquê do título, o porquê da referência a Portugal, agora já sei:
“Esta é, com efeito, a história de um pobre
camponês da Suécia, que ficou tão perturbado com o facto de a filha ir para
Estocolmo para ganhar o seu dinheiro necessário à amortização de uma divida da família,
que acabou por enlouquecer. O homem passou então a dirigir-se quase diariamente
ao embarcadouro da terra para aí aguardar o regresso da filha. E um dia em que
os circunstantes fizeram algumas insinuações sobre os verdadeiros motivos da
ausência da menina, Jan declarou inesperadamente: «Quando a Imperatriz Clara de
Portugal chegar aqui ao embarcadouro, com uma coroa de oiro na cabeça… veremos
se te atreves a dizer-lhe na cara o que hoje me disseste a mim.»
O homem começou depois a passear-se pelas ruas da
aldeia, envergando umas longas vestes e com um boné verde na cabeça. Tinha-se
tornado Johannes de Portugal…”
O Imperador de Portugal é uma
obra maravilhosa e pungente que deve ser lida por todos nós, cidadãos deste tempo
e neste em particular, de família, de partilha, de amor uns pelos outros.
Para terminar, resta-me convidar-vos a descobrir e
a deixarem-se encantar com a escrita de Selma Lagerlof, até pró ano…
Apontamentos para Anna Akhmatova.
Nos seus andrajos
as pernas cobertas por ligaduras, redes de
poeira, e nos pés umas botas disformes
de sola, trapos, pedaços de lã
cordéis.
Um grosso casaco de capuz, roto, sem cor, sujo.
Arrastava-se por entre fumos e pequenas
labaredas, óleo que manchava a terra sêca
árvores mortas arbustos sem folha; um cão
observava-a de longe, acossado, temeroso
nem sequer tentava aproximar-se no esqueleto da sua
fome.
Parou no que restava de um rio, margem
coalhada de nauseante negro
e ajoelhou-se no desequilíbrio do corpo
sobre o pus de água e com as mãos
em concha levou aos lábios. O cão
chegou e pelo cheiro tentou descobrir as diferenças
das suas existências. E não havia ninguém que
os pudesse ver,
nenhuma consciência que soubesse sustentar o juízo
«eu acabo de sentir uma dor»; uma parte de esterco
e o tempo é pelo meio de um século, pelo exacto começo de outro.
Anna Akhmatova, in Poemas, tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhâes e Vadim Dmitriev, Relógio D'Água, 2003.
as pernas cobertas por ligaduras, redes de
poeira, e nos pés umas botas disformes
de sola, trapos, pedaços de lã
cordéis.
Um grosso casaco de capuz, roto, sem cor, sujo.
Arrastava-se por entre fumos e pequenas
labaredas, óleo que manchava a terra sêca
árvores mortas arbustos sem folha; um cão
observava-a de longe, acossado, temeroso
nem sequer tentava aproximar-se no esqueleto da sua
fome.
Parou no que restava de um rio, margem
coalhada de nauseante negro
e ajoelhou-se no desequilíbrio do corpo
sobre o pus de água e com as mãos
em concha levou aos lábios. O cão
chegou e pelo cheiro tentou descobrir as diferenças
das suas existências. E não havia ninguém que
os pudesse ver,
nenhuma consciência que soubesse sustentar o juízo
«eu acabo de sentir uma dor»; uma parte de esterco
e o tempo é pelo meio de um século, pelo exacto começo de outro.
Anna Akhmatova, in Poemas, tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhâes e Vadim Dmitriev, Relógio D'Água, 2003.
sábado, 28 de dezembro de 2019
27dez1834.
Com a sua irmã Mary, com quem viveu longos anos, Charles Lamb, poeta,
dramaturgo - tragédias e farsas - e ensaísta, ocupou uma posição
proeminente num círculo literário que incluído os românticos Wordsworth,
Coleridge e William Hazlitt. Morreu neste dia, em Londres, devido à
infeção de um arranhão na cara, produzido por uma queda na neve.
Agenda Literária 2020, Helena Vasconcelos, Quetzal.
28dez1945.
Morre em Wollywood, de ataque cardíaco, um dos mais importantes
representantes do naturalismo na literatura americana, o escritor
Theodor Dreiser. O seu primeiro romance, Sister Carrie (1900), conta a
história de uma mulher que troca a vida no campo por uma vida fútil na
cidade.
Agenda Literária 2020, Helena Vasconcelos, Quetzal.
quinta-feira, 26 de dezembro de 2019
Livro: A Saga de Selma Lagerlof, Cristina Carvalho, Relógio D’Água, 2018.
À boa maneira nórdica, Cristina Carvalho (1949-) resolveu
titular a biografia que construiu sobre a escritora Selma Lagerlof (falta um sinal de dois pontos deitado sobre a letra o),
de Saga, mas de facto, esta Mulher nascida na Suécia, na província de Varmland
(falta um sinal de dois pontos deitado sobre a primeira letra a), em 1858,
vindo a morrer em 1940, viveu uma vida extraordinária.
Pelo amor que nutriu pela terra onde nasceu, pela
vontade indómita de dedicar a sua vida a escrever, pelas lutas que encetou em
prol da emancipação das mulheres do seu tempo, pelos seus direitos, pela liberdade
de amarem quem muito bem entendessem, homens ou mulheres, mulheres ou homens.
Selma Lagerlof, foi distinguida com o grau de
doutoramento honoris causa pela Universidade de Uppsala, no ano de 1907.
Recebeu o Prémio Nobel da Literatura, no ano de
1909, foi a primeira mulher a receber tal distinção.
E foi a primeira mulher a entrar para a Real
Academia Sueca, no ano de 1914, por unanimidade.
Na verdade, pressinto que foi a primeira vez que
li uma biografia e surpreendi-me, fui bafejada pela graça dos deuses nórdicos
ao colocarem no meu caminho Cristina Carvalho e Selma Lagerlof, duas Mulheres
formidáveis.
Senti o entusiasmo, a profundidade, a
identificação de Cristina Carvalho com Selma Lagerlof, a mesma entrega, o mesmo
rigor pela escrita, o mesmo amor pela terra, pela casa, pela natureza.
Fiquei com enorme vontade de ler mais coisas escritas
por Cristina Carvalho e por Selma Lagerdof.
Muito mais podem ficar a saber sobre Selma
Lagerlof e sobre Cristina Carvalho, basta seguirem a dica e quiçá começarem pela A Saga de Selma Lagerlof…
26dez1891.
Henry Miller nasceu neste dia em Nova Iorque. Foi um inovador da
linguagem e um destruidor de tabus. Na sua obra, a experiência erótica é
tão importante como a critica social, a linguagem explicita e a
associação livre. Foi processado por obscenidade graças a Trópico de
Câncer (1934), o livro cuja publicação foi paga pela amante Anais Nin.
Viveu em Paris, Corfu - com o amigo Lawrence Durrel - e Califórnia.
Agenda Literária 2020, Helena Vasconcelos, Quetzal.
quarta-feira, 25 de dezembro de 2019
Quinto e último poema natalício:
NATAL CHIQUE
Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.
Hoje é Natal.
Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.
Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.
Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.
Hoje é Natal.
Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.
Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado…
Só esse pobre me pareceu Cristo.
Vitorino Nemésio
25dez1892.
Irene Lisboa, nasceu na Arruda dos Vinhos neste dia. Foi poeta,
escritora, professora e uma muito importante pedagoga. Formou-se em
Lisboa e continuou os estudos na Suíça, em França e na Bélgica, tendo-se
especializado em Ciências da Educação. Foi autora de textos didáticos,
contos, obras para a infância, crónicas e diários.
Agenda Literária 2020, Helena Vasconcelos, Quetzal.
terça-feira, 24 de dezembro de 2019
Quarto poema natalício:
NATAL
Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.
Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me trespassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presente o nascimento.
Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.
Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.
Manuel Maria Barbosa du Bocage
24dez1822.
Matthew Arnold nasceu neste dia . Poeta, critico e ensaísta, foi um vitoriano típico, considerado um «escritor sábio» e um «apóstolo da cultura» com a sua obra Cultura e Anarquia (1869). Atacou as modas e o gosto dos seus contemporâneos «bárbaros» (a aristocracia), «filisteus» (a classe média) e a «populaça».
Agenda Literária 2020, Helena Vasconcelos, Quetzal.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
Terceiro poema natalício:
NATAL À BEIRA-RIO
É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?
É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?
David Mourão-Ferreira
23dez1963
Escreve um livro por década, com o cuidado e o esforço perfeccionista
de uma verdadeira artesã da palavra. cada um dos seus romances - A
História Secreta (1992), O Pequeno Amigo (2002) e O Pintassilgo (2013) -
é um marco na história da literatura norte-americana. Romântica e
misteriosa, Donna Tartt nasceu em Greenwood, no Mississipi, neste dia.
Agenda Literária 2020, Helena Vasconcelos, Quetzal.
domingo, 22 de dezembro de 2019
Segundo poema natalício:
FALAVAM-ME DE AMOR
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te
conserta só tu ficaste a ti acostumado.
Natália Correia
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te
conserta só tu ficaste a ti acostumado.
Natália Correia
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