terça-feira, 29 de setembro de 2015

Maria Teresa Horta, Lilith, in Meninas, D. Quixote, 2014.


Iniciei a leitura da obra “Meninas” de Maria Teresa Horta. É um livro de contos e ao ler o primeiro, Lilith (a primeira mulher), deparei-me com a mais extraordinária e fascinante narrativa dentro de um ventre materno, de uma riqueza de sentimentos, de uma beleza plástica que me comoveu, enquanto mulher, mãe e sobretudo, enquanto filha. Fabuloso!
Que outras surpresas me aguardarão?

Viras-te de costas com lentidão indiferente, obrigando-me à imobilidade, emparedada pelos teus músculos, entre tendões, artérias e ligamentos; os ossos das ilhargas a demarcarem-te o ventre, nos quais desatenta me magoo e me detenho, sufocando, arfando um tudo-nada. Paro, engulo os humores espessos que se formaram na minha garganta, e desloco-me com a intenção de copiar as posições que tomas na cama; e desse modo chego à tua beira, pelo sítio onde se inicia a subida até à tua cintura agora inexistente.
Numa avidez febril.

Surpresa, sinto chegar a dor: seta afiada, ácida, laminada, a lacerar-me as articulações dos braços, idênticos a delgados juncos, enroscados em torno do lugar onde fantasio situar-se a curva das tuas ancas. Iço-me, relutante, pois deixei de escutar-te os gemidos, não obstante continuar a saborear-te o áspero sal das lágrimas, que me enchem a boca com o sabor ázimo da vertigem. Por segundos aquieto-me interdita, até julgar reconhecer ao longe o azul transparente do cintilante cristal dos teus olhos. E apesar das sombras, retrocedo no sentido inverso daquele para onde, sem dar por isso, começo a ser empurrada, mansa na tentativa de ganhar alento, nesse devaneio regressando ao ponto de partida.”


2 comentários:

  1. Boa continuação de leituras e de descoberta da beleza plástica que existe no seio das palavras, quando são desenhadas pelos criadores iluminados dos heróis da imaginação...

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    1. Obrigada Artur!
      Ao fim de tantas leituras, continuo ser surpreendida!
      E a Maria Teresa, continua a maravilhar-me!
      Ela é divinal! Quem me dera que todos os escritores fossem assim...

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