sábado, 13 de março de 2021

Livro: O Solilóquio do Rei Leopoldo, Mark Twain, Quetzal, 1º edição/out18.

Continuamos a recordar a “Shoah”, o Holocausto nazi, de vez em quanto relembramos o Gulag, mas, quase nunca oiço rememorar o que se passou durante a administração do rei Leopoldo II, da Bélgica, no período de 1885 a 1908, no denominado “Estado Livre do Congo”, uma administração exercida pessoalmente pelo rei belga – e não pela Coroa ou pelo Estado.

Neste ponto, onde ficam os 10 milhões de congoleses vítimas da fome e das atrocidades cometidas por um rei que nunca se conformou com a pequenez do seu reino entalado entre a França e os Países Baixos, um país nado apenas em 1830?

Foi em 1884, na Conferência de Berlim, sob o signo do estabelecimento das «condições mais favoráveis ao desenvolvimento do comércio e da civilização em certas regiões de África», numa cimeira que se destinou, afinal, a partilhar o continente africano pelas potências europeias da época e a definir os limites fronteiriços de cada possessão colonial, que o rei belga viu satisfeita a pretensão de ser dono de um território setenta e seis vezes maior do que o seu reino, uma extensão superior a Inglaterra, França, Alemanha, Espanha e Itália juntas. 

À excepção da Turquia, todos os quatorze Estados presentes na Conferência de Berlim acabariam por conceder o seu beneplácito à fundação do Estado Livre do Congo, assentido naquilo que era, acima de tudo, um projeto de poder pessoal de Leopoldo II (…)

O prefácio que ocupa 57 de um total de 125 páginas, de autoria de António Araújo, contextualiza a atenção de Mark Twain (1835-1910) sobre a temática, vindo a traduzir-se na escrita de um texto de sátira politica (publicado em 1905), um monologo/solilóquio do rei belga defendendo-se das acusações de atrocidades cometidas sobre a população local durante a sua administração, submetendo-as “(…) a condições de vida degradantes e a uma repressão violenta e desumana, com o objetivo de aumentar os lucros da extração de diamantes, borracha e marfim.”

“(…) há quem sustente que, pese a singularidade do Holocausto, este foi a aplicação industrial de uma política racial de extermínio que os europeus e os americanos há muito haviam ensaiado noutras partes do mundo, com destaque para o Congo de Leopoldo, é certo, mas também para o massacre por parte dos alemães do povo hetero, no Sudoeste africano, ocorrido durante a infância de Hitler. «Auschwitz foi a aplicação industrial moderna de uma política de extermínio sobre a qual há muito assentava o domínio europeu no mundo» - é essa, no essencial, a tese de Sven Lindqvist em Exterminem Todas as Bestas.”

Confesso que o meu conhecimento sobre esta matéria tem poucos anos e tem sido assim ao longo do tempo, por mais leituras que faça, continuo a surpreender-me com o tanto que há para descobrir sobre o passado dos europeus.

Não é fácil, mas é uma leitura imperativa. Recomendo-a…


 

 

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