terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Bernardo Soares/Fernando Pessoa in O Livro do Desassossego, Ática, 1982.


“Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha patria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não que escreve com orthographia simplificada, mas a página mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em quem se bata, a orthographia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gaia da transliteração greco-romana vestem-a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”


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