quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Maria Lúcia Dal Farra in Rosalia, Florbela, Maria: algumas figurações femininas, Letras Convida nº 7 (2014-2016), INCM.


“ (…) Em numerosas tradições mitológicas e lendárias, o incubo, como sabem, nomeia o demónio que penetra as mulheres durante o sono, para manter com elas uma relação sexual. Essa proximidade entre mulher e forças maléficas está, aliás, no cerne do pecado original, no episódio bíblico da árvore da vida que, aliás, também abre a brecha para o conhecimento, mercê justo de uma actividade de marcadamente feminina: a desobediência.
(…)
No soneto de Florbela Espanca intitulado «Renúncia», os índices sagrados e profanos que rondam o feminino se expõem definitivamente de um lado, a prisão cultural, de outro, a liberdade natural. De um lado a cruz, a tranquilidade, a cegueira, e o sacrifício – o fiat Maria cristão. De outro a Lua, Satanás, a Beleza – o erotismo: dois dos protótipos centrais da mulher.

(…) duas primeiras estrofes do soneto de Florbela, que, além de estabelecerem um forte vinculo com o feminino manipulado por Maria Pawlikowvska-Jasnorzewska, funcionam como os dois pólos do paradoxo a que me tenho referido todo o tempo: aquele que define a condição da mulher.

A minha mocidade outrora eu pus
No tranquilo convento da Tristeza:
Lá passa dias, noites, sempre presa,
Olhos fechados, magras mãos em cruz…

Lá fora, a Lua, Satanás, seduz!
Desdobra-se em requintes de Beleza…
É como um beijo ardente a Natureza…
A minha cela é como um raio de luz…


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