quinta-feira, 2 de julho de 2015

Eduardo Lourenço, entrevista de Paulo Moura, in revista Ler nº 138, Verão de 2015


Ouvindo uma canção, Há uma música do Povo, interpretada pela Mariza, cuja letra é de Fernando Pessoa e música de Mário Pacheco, partilho convosco, três reflexões que me marcaram na entrevista que Eduardo Lourenço deu a Paulo Moura, in revista Ler nº 183, Verão de 2015:

“A tragédia individual atenua-se no destino coletivo, tal como a idade nos anestesia do medo da morte. Enganamo-la, até que alguém que amamos desaparece, e percebemos que essa eternidade nos é interdita. A Reforma e depois o fim da religião deixaram-nos sozinhos e desesperados. Estamos na hora zero do mundo, tornámos realidade a ficção científica, talvez não impunemente. Em que ponto estamos da História humana? Como seria o mundo se a Europa voltasse a ter protagonismo? E nós, portugueses, seria possível termos saído do império, sem sair? Como viveremos álibis? Tal como os homens, também as nações têm uma infinita capacidade de ilusão.”

“A Europa tem um problema, desde que existe: não sabe lidar com o Outro, o não-europeu. Aconteceu no tempo de Alexandre, e sobretudo quando surgiu outro fenómeno, que conquistou uma dimensão planetária: o islão. Vivemos séculos lado a lado vivemos séculos lado a lado sem que os víssemos, ou eles nos vissem a nós. O Império Turco foi para a Europa, uma espécie de União Europeia, desde 1453. Agora toda essa massa emerge, fruto da descolonização, numa espécie de sonambulismo histórico. Como podemos imaginar a integração do islão, que representou durante séculos a não-Europa, e não sabemos o que fazer com a Rússia? Como pode a Turquia entrar na União Europeia e a pátria de Tolstói e de Dostoievski ficar de fora?”

“Com o fim do império, estamos no fim da nossa narrativa. Depois do 25 de Abril todas as grandes manifestações, todos os acontecimentos importantes para nós, funcionam como referência ao império perdido. É a Ponte Vasco da Gama, a Europália… O que levámos? A gesta dos Descobrimentos. Não temos mais prata da casa para levar. A narrativa está no fim, mas por enquanto o nosso lugar de fuga ideal ainda não é esse momento. O nosso problema agora é que não temos álibi.”

“O nosso ensino ainda é muito orientado para o literário. Sei que é um povo com grandes tendências líricas, etc. Mas devíamos recuperar um pouco a energia que outros povos puseram na descoberta e trabalho científicos, na organização. Porque vivemos num mundo de competição feroz. Penso que será mais fácil recuperar uma desertificação das Humanidades do que a outra, onde, se não se tem uma formação sistemática, nunca mais se apanha o comboio.”

Eduardo Lourenço


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