domingo, 7 de junho de 2020

Livro: Andam Faunos pelos Bosques, Aquilino Ribeiro, Círculo de Leitores, 2009.

Concluí a leitura de mais um romance de Aquilino Ribeiro; da coleção de 16 volumes que possuímos, este foi o quinto que li e foi aquele que mais gostei.

Desde que comecei a planear as leituras que faço, incluo sempre um tomo da coleção no plano que integra autores masculinos de língua portuguesa, continuo convicta que ler Aquilino Ribeiro, limpa o palato…

Inicia assim:

Rubicundo, pesadão de farto, o estômago bem lastrado, com lombo de vinha-d`alhos, padre Jesuíno saiu a espairecer para a varanda que a aragem da serra brandamente refrescava. Manjericos e craveiros floriam dentro de velhos potes, e tão abertos, tão medrados, que do mainel transbordava para a casa e sobre o pátio uma onda álacre de Primavera. Tarde de infinita benignidade – era nas vésperas de Nossa Senhora de Maio, quando ela de andor ao céu aberto avista tudo verde em redondo -, ali apetecia gozá-la com cristianíssimo ripanço ao passo moroso da digestão. Mas não tardou que argoladas fortes soassem à porta e Jesuíno, em tamancos, as calças presas no abdómen por um negalho, camisa de estopa deixando espreitar pelos bofes a pelúcia do cerdo à mistura com o alcobaça vermelho, cigarro nos beiços, toda a sua pachorra eclesiástica mais rabugenta que cão dormido, foi ver.

A ação continua a decorrer em terras beirãs, alguém ou algo anda pelas serras alegadamente a “estuprar” as moçoilas virgens das aldeias e cercanias, aldeãs e meninas de família que depois as famílias desprezam ou elas mesmo partem em busca de liberdade.

O povo começa por realizar batidas em busca do ou dos responsáveis por tamanho despautério, mas nada acha.

Estão todos preocupados, as famílias, a igreja, afinal quem é que anda pelas serras a destruir a ordem instalada, a destabilizar famílias e as raparigas em idade de casar.

A igreja organiza um congresso de padres e demais membros do clero à procura de explicações, é então que surge a hipótese de se serem faunos, sim, Faunos que Andam pelos Bosques a desencaminharem as jovens…

Parece que li uma fábula.

Antes de terminar, deixo mais este excerto:

Bandearam-se em ágape amigos e conhecidos, e abriram-se para o monte merendeiros de folha e alforges bem aparelhados. Nas mãos brancas, nas mãos finas, nas mãos papudas apareceu o pernil de cabrito, a asa de galo, o bolinho de bacalhau; nas mãos negras e calosas – queijo, pêro e pão, comer de vilão. Breve, acima do rumor dos queixais, uma gracinha de menina, uma graçola de abade, passavam mais fugitivas e ligeiras que o canto das cigarras quando os segadores vão trolhos fora, de foice em punho, ceifando. E homens e mulheres em cacho, estendidos ao comprido, de cócoras ou de joelhos, sobre pedras e morouços de lenha, com cães à volta, os cavalos ao largo a pastar, lembrava aquilo, mais que fecho de grande romagem ou feira de ano, a ala duma horda em sua aventura nómada.

Só posso recomendar vivamente que leiam o grande, enorme Aquilino Ribeiro.


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