terça-feira, 26 de julho de 2016

Rainer Maria Rilke in Elegias de Duíno, Os Sonetos a Orfeu, tradução de Vasco Graça Moura, Bertrand, 2007.

“A Primeira Elegia

Quem, se eu gritasse, me ouviria de entre as ordens
dos anjos? E mesmo que um deles, de repente,
me cingisse ao coração: eu desfaleceria da sua
existência mais forte. Pois o belo não é mais
do que o começo do terrível, que ainda mal suportamos,
e deslumbra-nos assim porque, imperturbado,
desdenha aniquilar-nos. Todo o anjo é terrível.

E eu me retraio então e engulo o chamariz
do escuro soluçar. Ah, de quem podemos
então necessitar? Dos anjos, não, dos homens, não,
e os animais astutos já reparam
que não estamos à vontade nem em casa
no mundo interpretado. Fica-nos talvez
qualquer árvore no declive, para diariamente
mais uma vez a vermos; fica-nos a rua de ontem
e a fidelidade mimalha de algum hábito
a que calhámos bem e então ficou e não se foi.

[…] “

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