terça-feira, 4 de agosto de 2015

Hélia Correia in Prelúdio à morte da fala, JL nº 1169 de 2015-07-22

“No meu diário de hoje escrevo assim: Ao instinto territorial, sempre presente no animal que somos, eles contrapuseram a noção da hospitalidade. Já na Ilíada lemos uma cena grandiosa sobre dois inimigos em combate que, ao reconhecem-se como hóspede e como anfitrião, depõe as armas e as trocam depois como presentes:

“…troquemos, pois, as armas, a fim
de que estes saibam
que nos sentimos honrados com a
hospitalidade dos nossos maiores.
*
Depois de assim falarem, saltaram
dos seus cavalos,
apertaram as mãos e juraram lealdade” (Canto VI, 230-233)

Depois transcrevo esta passagem de Hesíodo

“…É essa a lei que o Crónida
Prescreveu aos homens:
que os peixes, os animais selvagens e
os pássaros alados
se devorem uns aos outros, pois
entre eles não há Justiça: mas aos homens deu ele a Justiça,
em muito o maior
dos bens…” (Trabalhos e Dias, 275-280)

Devo anotar que estes poemas contam 2800 anos.

Três séculos depois, as palavras de Péricles:

“O regime político que nós seguimos não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os outros de que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto de a direção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei; quanto à consideração social, à medida em que cada um é conceituado, não se lhe dá preferência nas honras públicas pela sua classe, mas pelo seu mérito; nem tão-pouco o afastam pela sua pobreza, devido à obscuridade da sua categoria, se for capaz de fazer algum bem à cidade.
(…) Amamos o belo com simplicidade e prezamos a cultura sem moleza (…) E somos os únicos que ajudamos alguém, não tanto com a mira nas vantagens, como com a confiança própria de homens livres”. (Tucídides, Livro II)

Assim falavam. E assim falou Demóstenes no século seguinte, quando invasores por um lado, traidores e intriguistas pelo outro, se uniam para escravizar a Grécia:

“Mas não, não é possível que tenhais cometido um erro, Atenienses, ao tomar sobre vós o risco de lutar pela liberdade e a salvação comum”. (Oração da Coroa, 208) ”


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